Catherine Despeux — O CAMINHO DO DESPERTAR
DEZ ETAPAS DO ADESTRAMENTO DO BÚFALO (segundo Puming)
I
Ainda sem adestrar
O animal investe, os altos chifres empinados,
E brinca nos caminhos das montanhas, cada vez mais longe.
Tanto que uma obscura nuvem obstrui da entrada do vale,
Quem sabe quantas ramas de terna erva terá pisado cada um de seus passos?
II
O começo do adestramento
Possuo uma corda trançada que atravessa seu nariz
e o açoito severamente a cada tentativa de fuga.
Sua natureza sempre foi vil e reativa,
E o boiadeiro deve ainda puxá-lo com todas as suas forças.
III
O adestramento
Pouco a pouco domado e submisso, deixa de brincar.
Através de nuvens e arrozais, segue o boiadeiro passo a passo,
Que sustem com mão firme a corda, sem afrouxar jamais sua tensão,
E vela todo o dia, esquecendo sua fadiga.
IV
O animal gira a cabeça
Depois de muitos dias de intenso trabalho, o animal gira a cabeça.
As forças de seu pernicioso espírito foram pouco a pouco domadas e dobradas,
Mas o boiadeiro sempre desconfia,
E ainda com a corda o sujeita.
V
O animal está adestrado
Perto da antiga torrente, à sombra do matagal verde,
O animal solto passeia sob seu olhar.
No crepúsculo, através de prados perfumados e nuvens anis,
O boiadeiro se volta, sem ter que puxar o animal.
VI
Livre e apaziguado, o búfalo descansa sobre o campo úmido de orvalho.
No que sucede já não há necessidade de açoite nem de recompensas.
O boiadeiro está sentado sob pinheiro frondoso,
Tocando uma melodia apaziguante, expressão de seu contentamento.
VII
Seguir a natureza
Os esplendores do poente iluminam o arroio primaveril e suas margens de salgueiros verdes.
Um fino vapor cobre as ervas espessas e perfumadas.
O búfalo como quando tem fome, bebe quando tem sede e faz cada coisa a seu tempo,
Entrementes, sobre uma pedra, o boiadeiro dorme profundamente.
VIII
Esquecimento recíproco
Imaculado, o búfalo flutua no seio de uma nuvem branca,
Homem e búfalo estão em estado de “sem-consciência”.
A lua se desgarra das nuvens brancas e projeta seu reflexo de alabastro.
De oeste a este desfilam a lua radiante e as nuvens brancas.
IX
Iluminação solitária
O búfalo já desaparecido, o boiadeiro está sereno,
Tal como uma nuvem solitária nas verdes alturas.
Sob a claridade da lua bate palmas e canta em voz alta,
Mas no caminho de regresso o espera ainda uma empresa difícil.
X
Desaparição dos dois
Homem e búfalo desapareceram, sem deixar vestígio.
A claridade da lua abarca todos os fenômenos na Vacuidade.
Se alguém pergunta o sentido de tudo isto,
Que observe como crescem por si mesmas as flores selvagens e as ervas perfumadas.