Julius Evola — A Doutrina do Despertar
Lugar histórico da doutrina do despertar (excertos)
Quanto aos Upanixades, é neles que toma forma sobretudo a doutrina do atma, na qual reflete ainda, em grande parte, o sentimento originário, cósmico e solar, da primeira consciência ariana, visto que ela põe em relevo a realidade do Eu, enquanto princípio hiperindividual, imutável e imortal, da personalidade em face da múltipla variedade dos fenômenos e das forças da natureza. O atma se define com o neti neti (“não é isto, nem aquilo”), id est com a ideia que não é nada do que pertence à natureza em geral e ao mundo condicionado.
Pouco a pouco, devia se produzir, na Índia, uma convergência entre a corrente especulativa dos Brhmanas e aquele dos Upanixades, convergência que conclui com a identificação entre o brahman e o atma : o Eu, em seu aspecto hiperindividual, e a força-substância dos cosmo se tornam uma só e mesma coisa. Temos aqui um retorno de um grande momento para a história espiritual da civilização indo-ariana. A doutrina da identidade do atma com o brahman constitui, com efeito, um cimo metafísico, mas, simultaneamente, um ponto que oferecia já possibilidades a um processo de usura e de descentramento espirituais. É precisamente o que deveria acontecer à medida que sombras desceram sobre a luminosidade da originária experiência, heroica e cósmica, do homem védico, e que influências exógenas ganharam terreno.
Na origem, a doutrina dos Upanixades fois considerada como um segredo, como um saber a não ser transmitido senão a alguns: é, a princípio, a esta ideia que reconduz o termo mesmo “Upanixade”. Mas, em realidade, o momento filosófico e especulativo, aqui ainda, deveria prevalecer. Daí, as contínuas oscilações, nos mais antigos Upanixades — desde o Chandogya e o Brhadaranyaka — a respeito do plano de consciência, devendo servir como ponto de referência para a doutrina. O atma é um objeto de experiência imediata, ou não o é? Ele é, ao mesmo tempo, um e outro. Sua identidade substancial com o Eu do indivíduo é proclamada, mas, ao mesmo tempo, vemos frequentemente remetida ao post mortem a unidade do indivíduo com o atma-brahman, e, mais ainda, se colocam condições para isto advenha verdadeiramente, e se se visualiza o caso pelo qual o Eu ou, para melhor dizer, os elementos da pessoa saem do ciclo de existências finitas e mortais. Nos antigos Upanixades, no fundo, não se calcança jamais uma solução precisa do problema dos reportes efetivos, existindo entre o Eu, do qual se pode positivamente falar, e o atma-brahman. O que não é por acaso, mas uma circunstância devida a um estado de consciência, já incerto, e ao fato seguinte: ao passo que, para os adeptos da “doutrina secreta”, o Eu podia ser efetivamente o atma, para a consciência geral, ao contrário, o atma estava a ponto de devir um simples conceito especulativo, um pressuposto quase teológico, porque o nível espiritual originário ia ser perdido.
Além do mais, foi praticamente anunciado o perigo de confusões panteístas. Em teoria, este perigo não existia, porque, nos Upanixades, segundo a concepção védica, o princípio supremo era, certamente, concebido como a substância do mundo e de todos os seres, mas também como o que, “para três-quartos”, os transcende, subsistindo à maneira do “imortal no céu”. Todavia, nos Upanixades, se encontra também posto em relevo a identidade do atam-brahman com elementos de todas as espécies do mundo naturalista, de sorte que a possibilidade prática de um desvio panteísta, favorizada pela assimilação do atmam com o brahman, foi real. Aqui, deve-se igualmente ter em conta o processo de gradual involução do homem, que é possível encontrar indicações nos ensinamentos de todas as tradições, aí compreendida a tradição indo-ariana onde a teoria dos quatro yugas corresponde exatamente à teoria clássica, concernindo as quatro idades e concernindo o declínio da humanidade até o último destes, até a idade de ferro, correspondendo à “idade obscura” — kali-yuga — dos indo-arianos. Se, em relação igualmente com este processo geral no curso do período das especulações indicadas, a consciência originárias, cósmica e urânica, das origens védicas tinha já sofrido um certo obscurecimento, formular a teoria da identidade do atma com o brahman devia significar, para muitos, uma perigosa incitação à evasão, a uma confusa identificação do Eu com a espiritualidade do Todo, aí onde uma reação particularmente enérgica se faria necessária no sentido de uma concentração, de um desapego, de um despertar.
No conjunto, os germes de uma decadência, que se manifestaram já no curso do período pós-védico, se acentuando na época do Buda, (século VI AC), são os seguintes. Antes de tudo, um ritualismo esteriotipado. Em seguida o demônio da especulação:fez de maneira que o que devia ser uma “doutrina secreta” — upanixade, rahasya — se filosofa parcialmente, a tal ponto que se chega a uma tumultuosa multiplicidade de teorias divergentes, de seitas e de escolas, cujos textos budistas dão frequentemente um quadro edificante. Em terceiro lugar, a transformação “religiosa” de muitas divindades, as quais, como dissemos, correspondiam durante o período védico a estados de uma consciência cosmicamente transfigurada, enquanto elas são agora um objeto de cultos populares. Já dissemos o que necessitaria ser dito do perigo panteísta. Além do mais, há lugar para considerar o efeito das influências exógenas, não-arianas, as quais cremos poder atribuir uma parte não negligenciável na formação e na difusão da teoria da reencarnação.