Com a divisão do povo ária em Índia e em Irã no segundo milênio, ergue-se também uma oposição dos deuses e dos demônios. Indra, deus luminoso da função guerreira, venerado junto com Varuna, torna-se no Avesta o próprio tipo de daeva, o demônio obstinado em romper a ordem cósmica (Rta/Asha). Os deuses indianos, devas, tomam-se nas Gâthâs, como mais tarde para Xerxes, daevas, os demônios da corte ahrimaniana. De seu lado a índia transformou os Asuras em diabos mentirosos em oposição a seus devas nascidos da verdade. Mas ao passo que Varuna se torna uma divindade menor ao lado de Indra, de Vishnu e de Rudra na Índia, o Irã pré-zoroástrico faz de seu ahura principal, parelha de Varuna, o grande deus Ahura Masda, cujo segundo nome corresponde ao védico medha (sabedoria), onisciência que Zoroastro irá espiritualizar totalmente. Da mesma forma Vaiu, divindade indo-iraniana importante do ‘”vazio atmosférico” entre o céu e a terra, da natureza que assume o gênio do vento para o bem ou o mal (Ram Yt. 15), terá provavelmente ajudado Zoroastro a conceber a luta de seus dois Espíritos.
Ahura Masda existia sob seus dois nomes como deus proto-iraniano antes do Profeta? Ele foi identificado sobre uma placa de prata do Luristão (século VIII/VII a.C.) ao lado de Zervan e Ahriman, formando uma tríade não zoroástrica com Zervan; do mesmo modo que, sobre uma placa em ouro de Hamadan do rei Ariaramme (v. -640/-590), ancestral dos aquemênidas, que proclamava: “Este país dos persas que eu possuo, provido de belos cavalos e de bons homens, foi o grande deus Ahuramasda quem ME deu. Eu sou o rei deste país.” A forma Ahuramasda, utilizada por Ariaramme, como por seus sucessores até Xerxes, não pode ser senão posterior à estilização em duas palavras por Zoroastro, que citava indiferentemente Ahura e Masda ou na ordem Ahura Masda ou Ahura (Sábio Senhor ou Senhor Sábio), indicação de uma primeira fase instável do nome divino. Mesmo que Zoroastro tenha encontrado seu deus supremo já munido do qualificativo Masda, que encarna a sabedoria, esse deus seria ainda feito muito à imagem dos homens para lhes servir de Príncipe imaculado da sabedoria. Não somente o Sábio iria purificá-lo de seus elementos naturalistas, como iria, com a transcendência, conferir-lhe uma sabedoria tal que o “Senhor Sabedoria” sairá completamente transfigurado de sua natureza precedente.
Zoroastro foi, sem dúvida, o primeiro profeta a pregar a unidade, o esplendor e a bondade de Deus com mais força e num plano transcendental mais elevado do que fez o místico faraó Aquenaton no Egito do século XIV a.C. Se Ahura Masda já era, anteriormente, revestido de aspectos morais idênticos aos de seu alterego indiano Varuna, guardião da ordem cósmica mas também justiceiro a quem os homens se submetiam como diante de um déspota, esse deus exigia ainda sacrifícios propiciatórios que precisamente Zoroastro iria rejeitar energicamente. Da mesma forma Mitra, que permaneceu ignorado pelo Sábio por seus aspectos antipáticos de deus da guerra presidindo ao Sacrifício ritual do touro e da embriaguez pelo haoma será introduzido posteriormente no culto zoroástrico, que não tinha adotado nenhum outro deus a não ser Ahura Masda. Nas Gâthâs aparece, antes dos filósofos da Atica, a primeira noção espiritualizada de Deus. O deus único de Zoroastro não preservou para si nada a não ser sua soberania sobre o cosmos que o envolve e que sua transcendência moral irá dominar completamente. O aspecto uraniano se vê fortemente penetrado de moralização zoroástrica. Ahura Masda diz: “A mim os bons pensamentos, as boas palavras, as boas ações, e eu tenho por vestimenta o céu, que foi o primeiro a ser criado deste mundo material… os bons pensamentos, as boas palavras, as boas ações são meu alimento”. (Dr. IX, 30.7).
A dualidade de aspectos panteístas e morais apresenta a clivagem teológica efetuada por Zoroastro na sublimação de Ahura Masda, pois dali em diante ele não mais se identifica com o universo que não faz mais do que vesti-lo. Entretanto, se ele transcende os elementos da criação física, não continua sendo o Pai do Fogo primordial (Atar), o Polo da Luz essencial que precede e engendra os fogos estelares do cosmos.
Mas a “luz” do grande deus masdeísta torna-se, para o Autor das Gâthâs, sinônimo de “pensamento puro”.