Schuon (EPV) – Mistério do Véu

Resumamos: as possibilidades são os véus que, por um lado, restringem o Real absoluto e, por outro, o manifestam. A Possibilidade simplesmente, no singular e no sentido absoluto, é o Véu supremo, o que envolve o mistério da Unicidade e, ao mesmo tempo, o desdobra, permanecendo imutável e sem se privar de nada; a Possibilidade não é outra coisa senão a Infinitude do Real. Quem diz Infinitude, diz Potencialidade; e afirmar que simplesmente a Possibilidade, ou a Potencialidade, ao mesmo tempo vela e desvela o Absoluto é apenas uma maneira de expressar a duodimensionalidade — diferenciada em si — que podemos discernir analiticamente no absolutamente Real. Da mesma forma, podemos discernir aí uma tridimensionalidade, também intrinsecamente indiferenciada, mas anunciadora de um possível desdobramento: essas dimensões são o “Ser”, a “Consciência” e a “Felicidade”. É em virtude do terceiro elemento — imutável em si — que a Possibilidade divina extravasa e dá margem, “por amor”, a esse mistério de exteriorização que é o Véu universal, cuja cadeia é feita dos mundos e cuja trama é feita dos seres.

  • Véu e mistério
  • Maya e Hijab
  • O mistério da relatividade
  • O protótipo principial do véu
  • A polaridade «Incondicionado-Ilimitado»
  • Alif e ba, a trama e a corrente
  • Maya e Rahmah
  • Os três grandes véus de Atma no Vedanta
  • Para realizar o Sobre-Ser
  • Diversos modos do véu
  • O Véu impenetrável
  • O Véu espesso
  • O Véu transparente
  • A ambiguidade do Véu (abstração e semelhança — tanzih e tashbih)
  • Correspondência entre Adão e Maomé segundo Ibn Arabi
  • sitr, simbolismo da seda
  • A árvore do meio no Paraíso terrestre
  • O que significa a expressão «feliz falta» de Agostinho de Hipona?
  • A serpente do Gênesis
  • Da multidão de véus
  • O mistério do desvelamento
  • Do bordado e do tecido ornamental
  • Dos véus divinos e dos véus humanos
  • Da função separadora do véu
  • Do simbolismo taoista do Yin-Yang
  • O que oculta o véu
  • Maria e o Véu universal (a festa do Véu na igreja russa)
  • Véu e Luz
  • Uma só luz vista através de inúmeros véus
  • Da separação, no Avatara, entre o humano e o divino
  • Da Possibilidade como Véu supremo

O próprio véu evoca a ideia de mistério, visto que oculta a nossos olhos algo muito sagrado ou muito íntimo; mas também possui um mistério em sua própria natureza, logo que se torna símbolo do velamento universal. Isto significa que o véu cósmico e metacósmico é um mistério porque está relacionado com as profundezas da Natureza divina. Segundo os vedantinos, não se pode explicar Maya, embora não se possa deixar de constatar sua presença; Maya, como Atmam. não tem origem nem fim.

Com efeito, a noção hindu da “Ilusão”, Maya, coincide com o simbolismo islâmico do “Véu”, Hijab: a Ilusão universal é um poder que, por um lado, esconde e, por outro, revela; é o Véu diante da Face de Allah, ou ainda, segundo uma extensão do simbolismo, é a série dos setenta mil véus de luz e obscuridade que, por clemência ou rigor, velam em parte a Resplandecência fulgurante da Divindade.

O véu é um mistério porque a Relatividade é um mistério. O Absoluto, ou o Incondicionado, é misterioso à força de evidência; mas o Relativo, ou o Condicionado, o é à força de ininteligibilidade. Se não podemos compreender o Absoluto, é porque sua luminosidade cega; em compensação, se não podemos compreender o Relativo, é porque sua obscuridade não oferece nenhum ponto de referência. Pelo menos é assim quando consideramos a Relatividade na sua aparência arbitrária, pois ela se torna inteligível na medida em que é veículo do Absoluto. A razão de ser do Relativo é ser veículo do Absoluto, velando-o.

Portanto, devemos procurar penetrar no mistério da Relatividade a partir do Absoluto ou em função dele, o que nos obriga — ou permite — discernir a raiz da Relatividade no próprio Absoluto. E essa raiz não é outra senão a Infinidade inseparável do Real que, sendo absoluto, é necessariamente infinito. Essa infinidade implica a Resplandecência, pois o bem tende a se comunicar, como observou Santo Agostinho; a Infinidade do Real não é outra coisa senão o seu poder de Amor. E o mistério da Resplandecência explica tudo: resplandecendo, o Real projeta-se de certa forma “fora d’Ele próprio” e, afastando-se d’Ele próprio, Ele se torna Relatividade na própria medida desse afastamento. É verdade que esse “fora” se situa evidentemente no próprio Real; contudo, ele existe como exterioridade e a título simbólico, ou seja, é “pensado” pelo Infinito em virtude de sua tendência à Resplandecência, portanto, à expansão num vazio na verdade inexistente. Esse vazio só é real graças aos Raios que nele se projetam; a Relatividade só é real em virtude do seu conteúdo, que é essencialmente do Absoluto. É assim que o espaço só tem existência graças ao seu conteúdo; um espaço vazio não seria mais um espaço, seria o nada.

Portanto, o protótipo do princípio do Véu é a dimensão divina de Infinidade que, por assim dizer, resplandece do Incondicionado, mantendo sua qualidade rigorosamente intrínseca; no Absoluto, Shiva e Shakti são idênticos. A Maya separativa e vivaz, a que ilude, não surge inexplicavelmente do nada, provém da própria natureza de Atmam. Pois o bem, tendo por definição uma tendência para se comunicar, o “Soberano Bem” não pode de forma alguma resplandecer para ele mesmo e em sua Essência e, em seguida — e consequentemente —, a partir dele mesmo e fora dele; sendo Verdade, “Deus é Amor”.

Isto significa que existe em Deus um primeiro Véu, ou seja, a tendência puramente principal e essencial à comunicação, portanto, à contingência, tendência esta que subsiste estritamente na Essência divina. O segundo Véu é, por assim dizer, o efeito extrínseco do primeiro: é o Princípio ontológico, o Ser criador que concebe as Ideias ou as Possibilidades das coisas. O Ser dá margem a um terceiro Véu, o Logos criador, que produz o Universo; e este também é, e de certa forma a fortiori, um Véu que dissimula e simultaneamente transmite os tesouros do Bem Supremo.

Frithjof Schuon