Chattick (SDG:xxi-xxii) – Tanzih e Tashbih

De um ponto de vista, o wujud pertence estritamente a Deus, e tudo que não seja Deus é inexistente. Não é possível fazer comparações entre o que é e o que não é. Simplesmente não há uma medida comum. Esse é o ponto de vista de tanzih ou declaração de INCOMPARABILIDADE, e foi fundamental para o pensamento teológico islâmico desde os primeiros tempos.

De um segundo ponto de vista, o wujud aparece onde quer que algo se encontre ou seja encontrado, e não há nada além de encontrar e ser encontrado. Vivenciamos somente o wujud, porque a experiência é encontrar, e não há nada para experimentar ou ser experimentado, exceto o que é encontrado. Nossa experiência do wujud de nossas próprias entidades é suficientemente real para funcionarmos nas situações em que nos encontramos. Portanto, há uma medida comum entre nós — que estamos ocupados encontrando a nós mesmos e aos outros — e Deus, o único que encontra em um sentido verdadeiro. Essa é a perspectiva da tashbih ou declaração de SIMILARIDADE e, na visão de Ibn Arabi, é tão importante quanto a perspectiva da incomparabilidade, mesmo que, no início da teologia islâmica, o termo tenha sido empregado com mais frequência para designar o que era considerado uma posição herética.

Quando analisamos os nomes divinos, vemos que eles podem ser compreendidos em termos de incomparabilidade ou em termos de similaridade, ou em ambos os sentidos ao mesmo tempo. Mas para compreender um nome em ambos os sentidos, precisamos avançar um sentido de cada vez. Devido à necessidade de reconhecer a esmagadora realidade do Real e observar a cortesia para com o Criador, começamos com a perspectiva de tanzih. Desse ponto de vista, as qualidades designadas pelos nomes divinos pertencem estritamente a Deus, e os seres humanos não têm participação nelas. Essa perspectiva enfatiza a inexistência de criaturas e o wujud do Real. No contexto da práxis islâmica, a resposta à realidade de Deus e à irrealidade humana é conhecida como SERVITUDE, ou seja, a observância dos requisitos da Lei revelada, a Shariah.

De um segundo ponto de vista, os nomes divinos exibem suas propriedades e traços na criação. Como o Profeta disse: “Deus criou Adão em Sua forma”, e como Ibn Arabi insiste, isso vale tanto para o grande Adão, que é o cosmos em sua totalidade, quanto para o pequeno Adão, que é o ser humano. As propriedades e os traços dos atributos divinos estão indefinidamente dispersos no MACROCOSMO, que é o cosmo como um todo. Eles também estão concentrados em uma unidade única e relativamente indiferenciada no MICROCOSMO, que é o ser humano. Na medida em que os seres humanos são encarnações plenas e integrais da FORMA DIVINA na qual foram criados, eles são dignos de serem chamados de VICEGERENTES de Deus. Aqueles que alcançaram essa posição são os PROFETAS e os grandes santos ou AMIGOS de Deus.

Em um aspecto, tanzih denota a total falta de semelhança entre wujud e a inexistência, ou o fato de que a Essência é inacessível às criaturas. Em outro aspecto, tanzih refere-se a um conjunto de atributos divinos que enfatizam a diferença entre Deus e a criação, enquanto tashbih designa outro conjunto que sugere certa semelhança. Quando os seres humanos estabelecem a relação adequada com Deus em termos dessas duas categorias, são servos plenos de Deus e vice-regentes dignos. Esses dois grupos de nomes são frequentemente chamados de nomes de “beleza e majestade”, ou “gentileza e subjugação”, ou “misericórdia e ira”. Às vezes, Ibn Arabi se refere a eles como as DUAS MÃOS com as quais Deus criou Adão.

Entre os nomes divinos de tanzih estão nomes como Majestoso, Subjugador, Iracundo, Exaltado, Independente, Santo, Glorificado, Rei e Grande. Com relação a esses nomes, as criaturas são insignificantes e, de fato, inexistentes. Mas Deus também é Belo, Gentil, Misericordioso, Compassivo, Próximo, Amoroso, Perdoador e Bondoso. Em respeito a esses nomes, Deus volta Sua face para as criaturas para garantir a felicidade delas. Sua preocupação com os seres humanos O leva a criá-los em Sua própria forma e a torná-los Seus vice-regentes na Terra. E Sua preocupação supera tudo o mais, pois “Sua misericórdia tem precedência sobre Sua ira”, de modo que tashbih — a presença de Deus no cosmos — anula os efeitos de tanzih, Sua ausência dele.

Analisando mais de perto as implicações dos nomes divinos, Ibn Arabi destaca o valor inerente do cosmos. Deus é o NÃO MANIFESTO e o MANIFESTO. Com relação ao primeiro nome, Ele é a Essência incomparável, mas com relação ao segundo nome, Ele se mostra ao universo por meio dos traços e propriedades de Seus nomes. O universo nada mais é do que Sua exibição, Sua AUTO-DISPOSIÇÃO ou Seu LOCUS DE MANIFESTAÇÃO. Portanto, em última análise, o cosmos é Deus como Manifesto, enquanto tudo o que não é o cosmos é Deus como Não Manifesto.

Ibn Arabi faz as mesmas observações em termos da terminologia de wujud. Wujud é não-manifesto porque é “nenhuma coisa” em oposição a cada coisa e, portanto, wujud não é diferenciado e distinto de qualquer coisa. Ele é ILIMITADO (NÃO-DELIMITADO em SpK), enquanto cada coisa criada é LIMITADA (DELIMITADA em SpK) e restringida pelas características específicas que a tornam isso e não aquilo. No entanto, como o wujud é ilimitado em um sentido absoluto, ele não é limitado pela ilimitação. Portanto, ele se vincula de acordo com todos os modos possíveis de vinculação. Os diversos modos pelos quais wujud se liga são as coisas existentes que preenchem o cosmos.