====== Alain Porte – presença imutável do Ser ====== //Um estranho poder me dá um vislumbre da Consciência suprema. (Ashtâvakra, II, 3)// Na investigação metódica do "eu" do homem (o "eu", Aham), não há violência ascética, nem quietismo feliz. Todo dogma é um beco sem saída; toda efusão, uma fantasia. Há apenas a presença imutável do Ser, coberta pelo húmus das paixões, desejos, conceitos e crenças. Mas esse "eu" não é objeto de nenhum anátema; é o lugar geográfico onde o Infinito toma forma, onde, pode-se dizer, passa a residir. Não faz parte do projeto dos pensadores indianos promover uma doutrina de salvação. Salvar a quem? De que salvar quem? Se a vida não é também a vida real, então a música metafísica não é mais do que o coaxar da mente, um ato de trapézio para sonhadores ociosos, um sorvete delicado para os hipócritas, e ainda assim uma quantidade respeitável de trabalho foi feita, trabalho que está constantemente em perigo de ricochetear na curvatura do universo e se desintegrar em um vazio de abstrações. O "eu" é simplesmente o veículo do Ser, o veículo sensorial que nos permite compreender que a existência é um movimento ininterrupto, porque somos um rio, fluindo pela corrente regular, invisível e majestosa do Samsâra, o fluxo perpétuo. Na verdade, não sabemos como chegamos a esse estado de plenitude, em que a ideia de transcendência está ausente, um estado percebido como um sabor de ser, e que chamamos de Ser (sat), que imaginamos como consciência, e que chamamos de Consciência (cit), e que nossa sensibilidade experimenta como alegria, razão pela qual o chamamos de bem-aventurança (ânanda). Às vezes, esse estado de Ser-Consciência-Beatitude é tecnicamente descrito como um "não-estado", uma tentativa seca de dar ao vocabulário uma pequena porção do indizível. Mas os textos, remanescentes das vozes anônimas de cantores imemoriais, silenciam sobre a gênese do Ser, sobre o eventual cozimento interno que faz o Ser emergir no homem, um processo mais próximo da agitação do oceano da Ignorância do que da observância escrupulosa de um esperado roteiro infalível. É sempre possível recorrer à Arte ou à Graça, essas alegorias espontaneamente removidas da armada de critérios que o desejo de compreender e domar faz abundar nas alcovas da razão.