====== Dubant (DCRE) – "homem natural" ====== O homem arqui-racionalizado dos tempos modernos tenta se justificar e fazer com que aprecie o mundo incongruente ao qual está ligado falando de progresso, de evolução, da constituição progressiva de um ser maravilhoso, denegrindo o passado e denegrindo-o com base diretamente em uma antiguidade. Mas outra memória nos ensina que o homem apenas se degradou e que essa decadência é "ontológica" e segue, de acordo com os hindus, um processo cíclico. E essa degradação do homem é precisamente a essência do que os evolucionistas — que, além disso, cantam "logicamente" seus próprios louvores e seu próprio medo — exaltam acima de tudo: a racionalidade, o imperialismo até mesmo da razão e seu sentimento correlativo, a redução do formidável mistério (em ambos os sentidos da palavra) dessa "maravilha" a um "absurdo manipulável". O homem antigo poderia ser chamado de homem do espírito, e o homem moderno, de homem da razão, para o qual, por outro lado, a "espiritualidade" é um substituto totalmente sem espírito. Em sua autocontemplação morosa e triunfante, o homem moderno ataca a parte "antiga", "reptiliana", que poderia "despertar" nele e em seus semelhantes. Os termos pejorativos que ele usa para maculá-la são um sinal de seu medo — medo do desconhecido, do "espírito", de tudo o que é "racionalizado" por sua visão mesquinha. Todo conhecimento que não se assemelhe a ele é, para ele, amaldiçoado ou absurdo. O processo é antigo, mas ainda mais antigo é aquele estado do homem cuja "simplicidade" os taoístas elogiaram. E, escreve Castañeda, é pelo fato de o homem ter estado, durante a maior parte de sua história, no estado de "conhecimento silencioso" que ele sente nostalgia por ele. ((O Poder do Silêncio)) "Os feiticeiros acreditam, diz Don Juan, que quando o homem quis estar ciente do que sabia, o perdeu." ((Ibid.)) Sua consciência reflexiva elaborada se interpôs entre ele e seu conhecimento e, para usar uma expressão banal, ele passou do "ser" para o "ter", do imediato para o mediato. Assim, o homem se tornou um ser de "segunda mão", o que é bem ilustrado pela expressão "conhecimento discursivo". É assim que a história antiga vê o nascimento de religiões "humanistas" — o culto de Aton no Egito ((Jean Robin, Seth, o Deus maldito (Ed. Guy Trédaniel) )), o confucionismo na China, etc. — que se tornam formas do culto da religião "humanista". — que se tornam formas do culto do mundo racional, do mundo "tonal", do homem isolado, ocupado, a partir de então, em fabricar seu próprio pequeno e medíocre inferno. "O lado antigo do homem é o conhecimento silencioso". O homem antigo, ou seja, o homem natural, conhece diretamente, ou seja, como diz Don Juan, "ele é tudo isso" ((Cf. Porta para o Infinito)). Esse estado, "o estado natural", diz um hindu que retornou a ele, está além, ou melhor, "fora" de toda "experiência". "Seu estado natural não tem a menor relação com os estados religiosos de felicidade, beatitude e êxtase." "O estado natural é um estado de não conhecimento." ((U. G., Talks with an Enlightened Contender (Sirius Ed.). O acrônimo U. G. significa o autor Upalari Gopala Krishnamurti)). Isso é o que o "benfeitor" de Castañeda chama de conhecimento silencioso. Não é uma escolha no mundo da racionalidade, mas também não é um estado "irracional", nem mesmo se pode dizer que seja um estado "suprarracional". É o estado fundamental do homem, ou seja, sua "natureza", enquanto o funcionamento do homem no mundo exclusivo da "razão" é um estado "contra a natureza". O "estado natural" é o de Shiva, ou melhor, Bhairava (fora das representações religiosas), conforme descrito pelo Pratyabhijnahrdayam ((Ed. Guy Trénadiel)), mas antes do surgimento dos tattvas. "Os antigos estavam em um estado de indiferentismo que fez com que toda a sua época fosse marcada pela paz e pela renúncia." (Chuang-Tzu) A representação simbólica do homem antigo dada pelos taoístas é a do "unípede", ou seja, o homem que não é afetado pela dualidade, a divisão entre sujeito e objeto, o bem e o mal aqui e ali, o verdadeiro e o falso, que não é obcecado pelo "pensamento altamente amadurecido, a compreensão discursiva" — que são, de acordo com um famoso adepto Ch'an, "como uma lâmpada acesa em plena luz do dia". (Yen-Kuan Ch'ian) O ser sem dualidade não pode ser ao mesmo tempo criador e vítima do ego, uma estátua maravilhosamente erguida pelo que Castañeda chama de autocontemplação, que isola definitivamente o ser da totalidade de si mesmo. É o intelecto (budhi), que é o subtrato do agente do eu (ahamkara), que engendra, então, esse processo de "individualização" e "reflexividade" que leva à constituição de manas, o sentido mental ou interno, nossa faculdade central e harpagônica de acumular conhecimento, de transformar a realidade em bens fictícios, que orienta os sentidos e fixa seus dados em construções mentais.((Cf. Lilian Silburn, Vijñana Bhairava (Ed. Boccard)). Essa procissão degradante é a desapropriação do "paraíso". O homem com um "ego" consubstancia o mundo ao qual está submetido e se vangloria de ser uma "pessoa", "responsável" com uma "consciência" capaz de melhorar indefinidamente, moral, "religiosa" com ou sem um deus reconhecido, quando não passa de uma caricatura do que foi o homem real, "um termo aplicado a um homem cuja alma voltou a entrar em contato com o espírito" ((Martin Lings, Crenças Antigas e Superstições Modernas (Pardès). René Guénon falou, sobretudo em //Reino da Quantidade e Sinais dos Tempos//, da "solidificação" progressiva do homem e do mundo, que passa do polo essencial para o polo substancial ou quantitativo em um processo catafático. Trata-se, de fato, de uma mudança ontológica ou espiritual total do homem)). Assim, o "homem primordial", o "homem natural" é impessoal, por mais escandaloso que isso possa parecer para nós, "humanistas", tão autoproclamado, tão "personalista" e "pessoal". Ele não é, entretanto, "desprovido de pensamento", mas "no estado natural, o pensamento deixa de oprimi-lo, ele retorna ao seu ritmo natural. Não há mais "você" para unir os pensamentos e tomá-los como "seus" ((U.G., Op.cit.)). "Não é um estado que se presta a discursos e elogios";((Ibid. "Aqueles que estão no estado natural são endurecidos, indiferentes, não afetados.")) é simplesmente um estado misterioso, pois não há ponto de referência para explicá-lo. "Nós participamos do misterioso. A racionalidade é apenas um verniz que temos."((O Poder do Silêncio.))) Esse estado — horresco referens — é o do homem que alcançou "o lugar onde não há compaixão". Não se trata de um lugar ou estado de espírito "impiedoso", "cruel", mas de um estado interior que exclui a "autopiedade", ou seja, o "narcisismo", o "culto do eu", a compaixão universal que nada mais é do que a extensão da compaixão pessoal, ou seja, do "eu" e de todos os atributos que ele desperta para se defender do desconhecido — o autêntico — que é para o "conhecido" o que o "selvagem" é para o "domesticado". Essa "reintegração" não é um ato "moral" ou "imoral", é um ato de bruxaria. Por trás do "verniz" da racionalidade e dos sentimentos correlatos, existe esse estado "antigo". Carlos Castañeda fala da experiência que teve com seu "benfeitor". Este último, "perseguindo-o" de maneira irrepreensível, emprega as "condições" que permitem que seu "discípulo" alcance aquele lugar "onde não há compaixão" (ou melhor, ele destruiu as condições que o mantinham no estado oposto). Castañeda conta que sentiu "duas partes nele": "uma muito velha, calma, indiferente — pesada" ((Guru significa "pesado". O verdadeiro guru está no estado "antigo" do elefante Ganesha, simbolicamente idêntico à suástica.)) obscura, conectada com todo o resto — a outra leve, vertiginosa, agitada, amorosa — insegura, superficial, esponjosa" ((Poder do Silêncio)). É com essa segunda "parte", o lote do "homem moderno", do humanista, que Castañeda considera as novas terras agrícolas, aprecia os "esforços do homem", lamenta que o deserto de Sonora esteja tão deteriorado, enquanto a parte antiga é de uma indiferença titânica, ofídia, e está precisamente "ligada a tudo". Esse estado está literalmente fora do bem e do mal, as duas posições da razão palpitante, afetuosa, imperialista, déspota, bufônica, chorosa e humanista, em suma. É claro que isso não é uma questão de "moralidade", pois a moralidade é precisamente o código de tirania do "eu" social, do "ego" subtraído do universo. Esse "estado implacável" é evocado pela "imprecisão primordial", a "não ação" dos antigos que "cultivavam o Tao" — que foi arruinado por aqueles que queriam influenciar os homens" ((Chuang Tzu, Obras completas (Gallimard) )). A indiferença não é apatia. O acordo é feito automaticamente com o que rodeia o homem, porque ele não cortou o elo que lhe permite ser todas as coisas, viver no lado "silencioso", abstrato, na respiração do espírito. O homem natural é ofídico, ou seja, titânico. O conhecimento otimista e racional, a preocupação consigo mesmo e suas duas expressões, o egoísmo e o altruísmo, erigiram deuses para honrar e proteger a si mesmos. Dessa forma, os cultos antropomórficos relegaram o "estado mágico" primordial do homem às sombras, ao "subterrâneo". As religiões moralizantes e seu subproduto exagerado, o humanismo, foram e são a redução do homem à porção congruente de sua razão, aquele homem caprichoso e egoísta, imbuído de seu grotesco conhecimento indireto, com a representação que forjou de si mesmo, sempre no leito macio e enlouquecido pelo "desconhecido". "Quando o ponto de encaixe alcança o lugar onde não há compaixão, a posição da racionalidade e da razoabilidade é enfraquecida." ((Poder do Silêncio)) "O lugar onde não há compaixão" é uma posição de percepção, que indica que aquele que está aí se libertou de sua prisão.