====== Corbin (IP) – O motivo da viagem e do mensageiro ====== === A passagem da doutrina teórica ao evento real da alma === É por excelência na forma de uma jornada, na maioria das vezes com a intervenção de um mensageiro que convida a empreendê-la, que a gnose islâmica representa a aventura espiritual. Uma ilustração típica é o tema da ascensão celestial do Profeta (Mi'râj, Qorân 17:1) quando, durante um êxtase noturno, o Profeta Maomé é convidado pelo anjo Gabriel a visitar os sete céus e os profetas que neles residem, sob sua orientação. A literatura do Mi'râj é considerável; o tema foi orquestrado em diversas variações. Algumas delas se baseiam em muitas tradições populares; outras empregam todos os recursos do misticismo especulativo e das altas ciências, pois a ascensão celestial do Profeta foi o protótipo que os místicos, cada um por sua vez, tentaram reviver. Nesse sentido, o tema ilustra uma das características da espiritualidade islâmica: longe de haver oposição entre a religião profética e a religião mística, a primeira abre caminho para a segunda e encontra nela sua conclusão. É aqui também que sentimos o segredo da aventura filosófica, que também é apresentada e representada na forma de uma jornada. Se é verdade dizer que a experiência vivida pelo Profeta é o protótipo que o místico no Islã se esforça para reproduzir e viver, é igualmente verdade dizer que, na medida em que a pesquisa filosófica deve terminar na experiência mística, a vocação do filósofo é uma preparação para a experiência mística e que, nessa mesma medida, há algo em comum entre a vocação do filósofo e a vocação do Profeta. Essa foi uma das principais preocupações dos Ishraqîyûn, os platonistas da Pérsia, cujo líder no século XII foi Shihâboddîn Yahyâ Sohravardi (ob. 1191); sua obra inclui, além de resumos didáticos, um ciclo inteiro de narrativas místicas, nas quais o motivo do mensageiro e da jornada desempenha um papel predominante. Esse aspecto duplo da obra ilustra a profunda crença do autor de que, sem uma sólida preparação filosófica, a experiência mística corre o risco de se desviar e degenerar, mas que, inversamente, a pesquisa filosófica que não leva à experiência mística, à realização espiritual pessoal, seria um empreendimento fútil e uma perda de tempo ((Cf. En Islam iranien..., todo o Volume II)). Daí o significado tradicional e técnico no qual devemos sempre tomar o termo gnose (Çirfân, ma'rifat): conhecimento que nunca permanece no nível do conhecimento teórico, mas que é um conhecimento salvador, porque compromete o homem espiritual, o homem interior, com o caminho da libertação e da salvação. Esse é o próprio (149) significado da jornada para a qual os poucos mestres que citarei mais tarde nos convidam. Por meio dessa jornada, a filosofia é transmutada em sabedoria divina, etimologicamente uma theosophia. Se esse é de fato o significado da aventura filosófica de nossos filósofos, gostaria de tomar como testemunha o considerável trabalho de outro platonista da Pérsia, Mollâ Sadrâ Shîrâzî (ob. 1640), um dos maiores nomes da filosofia iraniana e que permaneceu, de geração em geração, o pensador mestre dos espirituais do Irã. Como a ideia de uma jornada quádrupla é tradicional entre os místicos islâmicos, ela forneceu a Mollâ Sadrâ o plano segundo o qual ele organizou sua grande soma de filosofia teosófica, que ele intitulou High Wisdom Concerning the Four Spiritual Journeys ((Mollâ Sadrâ Shîrâzî, Le Livre des pénétrations métaphysiques, présenté et traduit par H. Corbin, Verdier, coleção "Islam spirituel", 1988, p. 31; e En Islam iranien..., vol. IV)). * O motivo da viagem espiritual em Avicena e em Attar * O motivo da viagem espiritual em Sohravardi * O motivo da viagem espiritual e a metafísica do mundo «imaginal»