====== Wilberg (AA) – A Linguagem e a Constituição do Eu ====== PWAA Assim como a consciência, a linguagem não é uma 'coisa'. Pois, embora encontre expressão na forma 'objetiva' da palavra falada e escrita, a linguagem //como tal// não é em si nenhum 'objeto'. Nem as palavras em si, como 'significantes', apenas denotam ou representam objetos específicos ou 'significados'. O significado da linguagem não reside em referir-se a coisas, mas em '//deferir//' o significado. Assim, mesmo nas interações verbais cotidianas mais aparentemente triviais entre as pessoas, e apesar de sua aparente referência a coisas e eventos diários, nunca podemos fixar 'nas' palavras o que as pessoas estão //dizendo// umas às outras – como sujeitos – //através// de suas palavras, independentemente do que essas palavras parecem estar se referindo ou 'sobre'. Mesmo ao apenas //referir-se// e falar sobre si, o falante está efetivamente usando a palavra 'eu' para //objetificar// a si mesmo – assim //adiando// para sempre a expressão da consciência silenciosa, //subjetiva// do eu. A linguagem automaticamente barra e adia a expressão direta do //eu//, sujeito ou 'eu' que está falando – 'o eu falante' – porque o eu falado ou "eu" é um que é falado //sobre// e, portanto, constantemente //objetificado// pela própria linguagem. É por isso que a consciência ou subjetividade não dita do indivíduo é forçada a buscar expressão de outras maneiras – não através do que dizem sobre si, 'em' palavras, mas através do que as palavras que escolhem dizem sobre eles. Pois, como Freud bem reconheceu, cada escolha de palavras //pode// dizer mais //sobre// o falante do que se pretende ou significa dizer através delas. Na reinterpretação linguística de Lacan e 'retorno' a Freud, é através da linguagem – algo que não é propriedade privada, mas algo compartilhado com os outros – que somos impedidos de nos expressar diretamente, mas compelidos, como por uma lei de ferro, a //constantemente construir// e reconstruir o sentido de si ou subjetividade através dos próprios atos de fala. No próprio ato de falar sobre si usando as palavras que são todos construtos sociais compartilhados, nega-se a expressão direta ao eu privado que está falando. A 'lei' da linguagem é que ela //nos fala// tanto ou mais do que a falamos – que ela //adia// a expressão da experiência subjetiva no próprio ato de //referir-se// a ela – transformando em um construto linguístico o próprio 'sujeito' que busca expressar-se através da linguagem, e transformando experiências subjetivas em objetos linguísticos. No entanto, é precisamente essa lei, segundo Lacan, que é anátema para o psicótico. Pois este último não quer apenas //saber// que é um sujeito, e saber quem é como sujeito – mas ser capaz de apreender essa //gnose// ou autoconhecimento, fixá-lo, expressá-lo e penetrar outros com ele //usando// a linguagem como ferramenta. O fato de isso ser impossível – que a linguagem não pode ser //usada// para esse propósito subjetivo é algo que o psicótico não pode enfrentar – pois significa deparar-se com a realidade de que a linguagem como tal – e não qualquer sujeito individual – é em si o poder objetificador supremo, e, portanto, para o psicótico, o equivalente ao 'mau sujeito' em grande escala. O problema, porém, é que, como a linguagem é algo compartilhado, ela não é e nunca pode ser //propriedade// ou ferramenta puramente //privada// de qualquer sujeito individual, bom ou mau.