====== Gil Vicente: Todo-Mundo e Ninguém ====== Adaptação de Carlos Drummond de Andrade Ninguém: Qual o seu nome, cavalheiro? Todo-Mundo: Eu me chamo Todo-Mundo e todo meu tempo busco dinheiro, e sempre nisso me fundo. Ninguém: Eu me chamo Ninguém e busco a Consciência. Belzebu: Eis uma boa experiência: Dinato, escreve isto bem. Dinato: Que escreverei, Companheiro? Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-mundo dinheiro. Ninguém: E agora que buscas lá? Todo-Mundo: Busco honra muito grande Ninguém: Eu, virtude, que Deus ordene que a encontre já. Belzebu: Outra adição: escreve logo aí, que honra Todo-Mundo busca e Ninguém busca virtude. Ninguém: Buscas outro bem maior que esse? Todo-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto fizesse Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse. Belzebu: Escreve mais Dinato: Que tens sabido? Belzebu: Que Todo-Mundo quer em extremo grau ser louvado, e ninguém ser repreendido. Ninguém: Buscas mais, amigo meu? Todo-Mundo: Busco a vida e quem ma dê. Ninguém: A vida nem sei que é, e a morte conheço eu. Belzebu: Escreve lá outra sorte Dinato: Que sorte? Belzebu: Todo-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte. Todo-Mundo: E mais queria o Paraíso sem a ninguém estorvar. Ninguém: E eu por ter a pagar quanto devo para isso. Belzebu: Escreva com muito aviso Dinato: Que escreverei? Belzebu: Escreve que Todo-Mundo quer Paraíso e Ninguém paga o que deve. Todo-Mundo: Folgo muito em enganar e mentir nasceu comigo. Ninguém: Eu sempre verdade digo sem nunca me desviar. Belzebu: Ora escreve lá compadre, não sejas tu preguiçoso Dinato: Que? Belzebu: Que Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade. Ninguém: Que mais buscais? Todo-Mundo: Lisonjear Ninguém: Eu sou todo desengano Belzebu: Escreve, anda lá mano Dinato: Que me mandas assentar? Belzebu: Põe aí bem declarado: Todo-Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.