====== Fé no homem verdadeiro (Lin-tsi) ====== //Hermes-Tchan// A única fé que Lin-tsi admite é a fé, a confiança (sin) no homem verdadeiro, ou seja, em nós mesmos: no Deus que está em nós, poderíamos dizer, se houvesse um Deus no budismo; é a "verdade em uma alma e um corpo" de Rimbaud. À realização dessa verdade se opõem todos os tipos de objetos externos, não apenas os que seduzem nossos sentidos, mas também os discursos dos mestres, os dogmas das escrituras, as especulações dos exegetas, a crença em paraísos de escape, a própria noção de um Buda cuja graça nos salvaria, a aspiração à libertação por essa graça quando já somos totalmente libertos e o estado de Buda está presente em cada um de nós, como uma impressão velada que basta "revelar" para que se torne positiva. Eis a cena que abre a coletânea de Lin-tsi (A. 24-26; Y. 10-15). //O prefeito Wang, que tinha o título de Conselheiro Ordinário, e os funcionários de sua jurisdição haviam convidado o mestre (Lin-tsi) a subir ao púlpito. Ao subir para a sala de pregação, o mestre disse: "Se subo ao púlpito hoje, é porque não posso fazer de outro modo, é por respeito humano. Se me limitasse, para proclamar nossa Grande Causa, à tradição de nossa linhagem de patriarcas e discípulos, não abriria a boca, e vós não teríeis onde pôr os pés. Mas, considerando o insistente pedido do Senhor Conselheiro Ordinário, como poderia hoje esconder meus princípios?// //"Há nesta assembleia algum general hábil que esteja pronto, no momento, a dispor suas tropas e desfraldar suas bandeiras? Que testemunhe diante da assembleia, para vermos!" (Ele apela aos interlocutores, como nas cenas de consulta.) Um monge perguntou então qual era a grande ideia do budismo. O mestre fez khat. O monge inclinou-se. O mestre disse: "Eis um que se mostra capaz de sustentar a discussão." Outro monge perguntou: "E de quem é o tom que cantais? A quem remonta vossa doutrina?" O mestre disse: "Quando eu estava com Houang-po, perguntei três vezes, três vezes fui golpeado." O monge hesitou. O mestre fez khat, depois o bateu, dizendo: "Não se pode cravar um prego no vazio."// //Em seguida, um especialista em pregação perguntou: "Não é para revelar a essência do Buda que está em nós que serve o dodecáplice ensinamento dos Três Veículos (os textos canônicos do budismo)?" Lin-tsi disse: "Tuas ervas daninhas ainda não foram arrancadas" (tua mente está cheia de falsa sabedoria). O monge retrucou: "Como então o Buda poderia ter enganado os homens?" Lin-tsi disse: "Onde está teu Buda?" O pregador ficou mudo. "Então", continuou o mestre, "diante do Senhor Conselheiro Ordinário, queres me enganar, a mim, velho monge! Some-te daqui! Estás impedindo os outros de me fazer perguntas."// //E acrescentou: "É por uma Grande Causa que estamos reunidos hoje. Há ainda questionadores? Que se apresentem e perguntem! Mas mal abriríeis a boca, e já estareis fora da questão. Não conheceis as palavras do Buda Çâkya? A Lei está desvinculada da letra; não pertence à relatividade de causas e efeitos. É porque não tendes confiança suficiente em vós mesmos que agora estais enredados nessas trepadeiras de palavras! Tudo o que temo é que venhamos a confundir Sua Excelência e os senhores funcionários, obscurecendo a essência do Buda que está neles. Melhor nos retirarmos!" E soltou um khat, dizendo: "Homens de pouca fé, nunca acabareis com vossas dúvidas! — Já vos mantive de pé por muito tempo. Cuidai bem de vós!"//