====== Meyrink – A Noite de Walpurgis ====== AbellioAG "**Todo ano, em 30 de abril, volta a Noite de Walpurgis**. Nessa noite, segundo a crença popular, o povo dos fantasmas é libertado de suas correntes. Há também noites de Walpurgis cósmicas, Excelência! Elas se sucedem em intervalos longos demais para que a humanidade possa se lembrar, por isso são consideradas cada vez um fenômeno novo, jamais experimentado... Agora se anuncia uma dessas noites de Walpurgis cósmicas." É com essa frase que o sonâmbulo Zrcadlo dá a chave de **A Noite de Walpurgis**, romance de Meyrink, do qual é importante dizer desde já que foi publicado em 1917, em Leipzig, em plena guerra, e que relata um levante popular particularmente sangrento situado pelo autor em sua cidade de eleição, Praga. 1917, a data é crucial. A Revolução Bolchevique triunfaria na Rússia, a civilização cristã mudava de curso, uma nova era começava na história do mundo. Mas o pressentimento que Meyrink tinha disso pouco se apegava às contingências políticas: esse visionário só se interessava pelos movimentos da história invisível, onde se marcam as etapas da consciência cósmica. "Então se produzirá uma inversão pela qual o que está em cima estará embaixo, o que está embaixo estará em cima. Acontecimentos eclodirão um após o outro, quase sem razão... Aí vem de novo a hora em que será dado aos cães do caçador desenfreado romper suas correntes; mas a nós também é dado romper algo: a lei suprema do silêncio! A palavra: 'Povos da Ásia, guardai vossos bens mais sagrados!' não é mais válida para nós... é permitido que falemos... Chegou o momento em que o 'Eu' deverá falar a um grande número." Trata-se, é claro, do **"Eu" profundo e imutável**, do //Si// dos vedantistas, o do meio invariável. Por essa ressonância histórica, **A Noite de Walpurgis** ocupa um lugar ligeiramente à parte na obra de Meyrink, que trata mais de **experiências individuais e dramas pessoais**, mesmo quando estes se inserem no destino de uma linhagem ou de uma ordem iniciática oculta. Pelo contrário, pode-se dizer que aqui o drama coletivo e os dramas pessoais se unem. Toda uma **filosofia esoterista da história** emerge da longa tirada que o sonâmbulo Zrcadlo dirige ao médico da corte imperial Flugbeil que, do começo ao fim do romance, desempenha o papel de testemunha, uma testemunha que carrega o sobrenome simbólico de **Pinguim**, o homem que tem cotos de asas. Essa passagem é certamente uma das mais importantes da obra de Meyrink: ela entrega o pensamento mais avançado, mais condensado, mais claro também, de um autor cujo expressionismo muitas vezes denso e carregado de símbolos nem sempre se deixa decantar facilmente. Ao contrário dos outros romances de Meyrink, //A Noite de Walpurgis// não se deixa, aliás, vincular a uma ou outra tradição particular, parece antes utilizá-las todas. Sabe-se que Meyrink recebeu ensinamentos muito variados. Se for necessário estabelecer uma classificação aqui, pelo menos tendencial, diremos que **O Golem**, de 1915, é mais de **inspiração cabalística**; notaremos em **O Rosto Verde**, de 1916, a **influência da prática do yoga**; enquanto **O Dominicano Branco**, de 1921, se refere ao **tao chinês** e **O Anjo na Janela do Ocidente**, de 1927, penetra profundamente no **domínio da alquimia** e faz uso de certos dados tântricos referentes essencialmente à Mulher sádica e à união com o princípio feminino mais oculto e mais interiorizado. De um ponto de vista propriamente estético, após o prodigioso burburinho de //O Golem//, é em //O Dominicano Branco//, longe de todas as diabruras, aparições, defumações e fulgurações que sobrecarregam //O Anjo na Janela do Ocidente//, que Meyrink melhor escapa das facilidades do expressionismo, o que permite, em nossa opinião, considerar essa obra a **obra-prima** de nosso autor. Mas, desse ponto de vista, //A Noite de Walpurgis// já anuncia esse relativo despojamento. Certamente, encontramos aqui os temas e os procedimentos favoritos do autor. Foi o cineasta francês René Clair quem melhor delineou as regras e os limites de toda **arte fantástica**. Por um lado, o número de temas de que dispõe tal arte é limitado, diz ele, a uma dezena. Por outro lado, o fantástico só pode fazer parte do espetáculo se pudermos limitar seus efeitos, dar-lhes um freio. Essas duas constatações, que são restritivas, mostram bem que não há gratuidade absoluta no fantástico e que ele deve obedecer a um certo rigor: o mundo invisível também tem suas leis. Em **A Noite de Walpurgis**, Meyrink utiliza sistematicamente dois temas, o da **possessão** e o do **paralelismo histórico**, que se encontram em toda a sua obra e cuja validade é preciso admitir para entrar no jogo. O mímico e sonâmbulo Zrcadlo pode assumir todos os rostos e encarnar todas as personalidades, ele é, de certa forma, um canal entre o invisível e o visível. Quanto ao levante popular que vai invadir e devastar o Castelo de Praga (Hradschin), ele é a **repetição de um episódio da Guerra Hussita**, da mesma forma que, em //O Anjo na Janela do Ocidente//, a vida do Doutor Müller, mago moderno, será a repetição, com a diferença do desfecho, da de seu distante parente, o alquimista elisabetano John Dee. Muitos heróis de //A Noite de Walpurgis// parecem assim repetir ou continuar em nossa época a vida de entidades espirituais muito antigas. O autor não sente, como se diz, nenhum complexo quanto à credibilidade desses postulados e até os impõe com uma força contagiante, não hesitando em matéria de paralelismo histórico, por exemplo, em forçar a dose e acumular os detalhes mais meticulosos, de modo que, no final, o tempo se confunde, as épocas se misturam, a cronologia se apaga, em um efeito de **desarranjo quase místico** que permite evocar o eterno presente e que é também um efeito da arte. É no domínio da **possessão**, à qual Meyrink dá aqui o nome asiático de //aweysha// (fará-se forçosamente a ligação com o mistério dos zumbis vudus), que **A Noite de Walpurgis** impõe suas imagens mais impressionantes. Por //aweysha// deve-se entender, no sentido estrito: **controle do pensamento alheio** obtido por certas práticas análogas às do yoga. Mas aqui, independentemente da //aweysha// no sentido estrito exercida, por exemplo, por Polixena, a mulher sádica, a multidão de amotinados inteira também aparece como possuída. Não é apenas Zrcadlo que é um sonâmbulo aberto a todas as influências, é qualquer homem comum, perpetuamente submetido aos efeitos de "mais" e de "menos" da história visível, efeitos sempre equilibrados, de modo que a história gira em círculos em um amontoado de horrores. Somente Flugbeil, o Pinguim com cotos de asas, será salvo por sua propensão à ternura. Somente ele reconhecerá seu próprio rosto no do sonâmbulo que lhe fala e perceberá pela metade o segredo da libertação que faz escapar da roda das repetições. Mas ele ainda tem apenas cotos de asas e também sucumbirá em um estrondo de ferro, acreditando voar. É um personagem simpático e otimista que Flugbeil e o autor, que não tem escuridão suficiente para escurecer sua Noite, o trata com uma singular doçura, e cheio de nuances. No desenfreado de fantasmas e vampiros, //A Noite de Walpurgis// não é um livro onde se respira com facilidade, mas graças a Flugbeil e à sua amante caída que é seu suporte tântrico, graças também ao seu fiel criado e ao cão Brock, ouve-se às vezes o que Zrcadlo, habitado dessa vez por uma memória de anjo, chama de **o canto do rouxinol**.