====== O estado místico como norma do ser humano (Zolla) ====== ZollaMO1 Existem interpretações psicanalíticas da religiosidade e do misticismo como doença ]; porém, o que é mórbido, antes de tudo, na psicanálise vulgar, é a falta de uma ideia do homem normal, a ausência, ou seja, de um centro, e ainda mais mórbida é a teoria rústica que considera saudável aquele que não tenha atitudes críticas em relação à sociedade em que vive. Os místicos, na verdade, descrevem justamente o que a psicanálise, a seu modo, indica por exclusão, enumerando formas de imaturidade patológica, ou seja, a adequação à norma, ao ser que é como deveria ser: normativo. A confusão que faz parecer paradoxal essa coincidência surge do uso de um jargão simplista por parte da psicologia moderna: quando o místico afirma estar abandonado a Deus, a rudeza moderna acredita que ele se proclame suspenso em uma espécie de transe hipnótico; quando ele afirma ser passivo, ela lhe imputa uma feminilidade masoquista. O uso do termo "eu" na psicanálise e nos místicos é a primeira fonte de equívocos. Para Freud, o "eu" pode coincidir com o "si mesmo", e não designa um conteúdo de consciência, mas um esquema de comportamentos, um continente que se distingue do Id ou do Superego, de modo que «para o psicanalista, a insistência do místico na perda do eu ou identidade pode até sugerir que ele esteja em uma confusão psicótica entre realidade externa e interior, com a consequente perda da identidade pessoal, como na alucinação ou nas ilusões paranoides... Mas os grandes místicos... longe de mostrar uma confusão entre o eu e o ambiente, agem com grande eficácia e com um agudo senso das realidades sociais... O eu, o si mesmo, que se perde na iluminação mística não é aquele eu ou si mesmo necessário à execução prática das próprias tarefas, não é o eu no sentido psicanalítico»]. Assim, o "eu" do místico não coincide com a imagem de si mesmo ou noção da própria pessoa, porque o místico não está de modo algum privado desse dado fundamental da orientação. Federn, partindo de conceitos como alienação e despersonalização, elaborou o conceito do «sentimento do eu»; mas, na realidade, o que ele chama de «falta do sentimento do eu» não é a ausência de sentimento, mas um sentimento positivo, o de uma falta. O doente percebe claramente suas atividades e seus sentimentos, e sabe bem que eles são seus, mas de modo intelectual, exterior, experimentando a sensação de uma falta; sente que não é ele mesmo, de certo modo, a sentir o que sente, e isso lhe causa angústia. Mas o próprio Federn, chegando a definições mais precisas, observa que se trata de um sentimento de ausência, mais do que de uma ausência de sentimento, pois «normalmente não se percebe o eu mais do que o ar que se respira», e, portanto, a doença consiste justamente em refletir sobre o próprio eu, sobre si mesmo. «O eu introspectivo, autoconsciente, não é uma percepção da própria pessoa total, é antes um afeto ou ideia ou ato particular da pessoa percebido pela própria pessoa em um contexto emocional onde domina alguma forma de ansiedade... A consciência do próprio eu, do próprio si mesmo, não é a percepção de algum ente individual, mas antes qualquer consciência tingida por conflitos e ansiedades interiores... Quando, porém, as funções do eu estão livres de ansiedade, tem-se o esquecimento de si mesmo característico das funções autônomas do eu que usam uma energia psíquica neutra.» Assim, a morte do eu a que o místico tende é a morte da personalidade enrijecida, preocupada com sua própria imagem; e sua renúncia ao discurso é a mesma do terapeuta que sabe quão inútil é um conhecimento exclusivamente racional e discursivo dos vícios psicológicos. Do eu (no sentido que os místicos dão à palavra) nascem a ira, a soberba, a luxúria e a visão imaginária do real, e, não diferente, a psicanálise afirma que as neuroses levam a percepções distorcidas, irreais. Outros conceitos místicos, como a libertação do desejo e a aceitação do real, são confundidos com a recusa de toda iniciativa e com uma submissão satisfeita ou covardia. Aqui, é a linguagem mística que expressa uma afirmação como ausência: «O místico pode muito bem reconhecer que ama a comida, os amigos, os vizinhos, a honra e o conforto, desde que não esteja ansiosamente ligado a eles e incapaz de enfrentar seus opostos, de modo que o iluminado, sem desejos e aberto à experiência, persegue, deleitando-se, todo objetivo que lhe pareça adequado. O místico, quando recomenda os vários estados negativos, convida a repudiar a atenção compulsiva, obsessiva, autoconsciente aos nossos sentimentos e percepções, às nossas distinções teóricas e às demonstrações lógicas... Rejeita a tendência neurótica de alcançar segurança enquadrando toda experiência em um sistema lógico fixo, claro, nítido, em que cada elemento seja seguramente manipulável... A percepção está presente ao místico, mas sua mente está vazia, ou seja, livre de módulos perceptivos ou cognitivos compulsivos, estereotipados.» Por outro lado, a experiência mística é frequentemente descrita em termos que sugerem uma regressão à infância, à fase oceânica, aos prazeres da nutrição infantil, da onipotência infantil, da dependência infantil de figuras onipotentes, do narcisismo extático; mas uma cura significa que se está sempre em contato franco, livre de todo medo ou impedimento, com as condições infantis, que se tem «acesso às fantasias infantis, com uma tolerância dos prazeres instintivos no quadro de um comportamento maduro... O senso de poder e de alegria que vem de um funcionamento livre de conflitos interiores pode também ter o tom extático das fantasias de prazer e onipotência da infância.» Assim, a psicanálise aparece como uma definição por exclusão do estado místico. Ela é uma mísera tentativa moderna de transformar o servo em senhor, ou, como diz o Evangelho, em filho do Senhor. O filho do Senhor é aquele que obedece ao destino sem ser arrastado por ele.