Saviani2004
No resumo de uma conversa que manteve com Heidegger em Friburgo em 18 de agosto de 1972, que introduz em seu comentário, Chang formula importantes considerações sobre a afinidade entre o pensamento de Heidegger e o taoísmo, em relação à poesia (p. 65) e à questão do Nada (p. 66). A esse respeito, recorda a impressão favorável que, já no verão de 1954, D.T. Suzuki tivera de seu encontro com Heidegger ocorrido pouco antes em Friburgo, e menciona a noção heideggeriana de clareamento ou serenidade , explicando que, no tratamento que Heidegger lhe dá, “na tradição chinesa é um modo de acessar o Tao” (p. 66). Além disso, sobre a questão do Nada, Chang diz: “É no Nada que ele encontra o Ser. Segundo a expressão taoísta, 'o ser nasce do não-ser'”. E, de fato, acrescenta Chang, o tradutor de “Was ist Metaphysik?” para o inglês também havia remetido a essa máxima do Tao Te Ching em referência à seguinte afirmação de Heidegger: “Somente com base na patência originária do nada a existência do homem pode alcançar o ente e nele entrar” (ibid.). Chang recorda também dois episódios muito significativos. O primeiro: no prefácio a Zen Buddhism de D.T. Suzuki, W. Barrett declarara: “Um amigo alemão de Heidegger me disse que um dia, quando estava visitando sua casa, o encontrou lendo um dos livros de Suzuki. 'Se compreendo corretamente este homem', observou Heidegger, 'isto é o que sempre tentei dizer em todos os meus escritos'”. O segundo: J.G. Gray, aluno americano de Heidegger e autor do já citado “Splendor of the simple”, lhe dissera que em Friburgo recebera de Heidegger, como presente, um livro sobre budismo zen.
Em sua conversa com Heidegger, relata Chang, a noção de Lichtung, “clareira”, foi identificada com a noção taoísta Ming, “claro”, “luminoso”. Sobre a questão do princípio de identidade, Heidegger disse que não estava satisfeito com seu Identität und Differenz, escrito quinze anos antes, e que desejava retomar o tema o mais breve possível. A esse respeito, citou fragmentos de Parmênides. Recorda Chang: “Naquele período, ele também estava muito interessado na identidade entre linguagem e ser que, dizia, ocorria frequentemente nas línguas mais antigas. Dessa forma, me perguntou: 'Como se diria “há uma árvore” em chinês antigo?' Respondi: 'Mu a. Significa “árbol sim”!' Então perguntou: 'E “há uma árvore velha?”' Respondi: 'Mu laoyee. Significa “árbol velho”! Quando uma expressão como essa é pronunciada, o ser do falante e sua pronúncia se identificam totalmente ou “co-pertecem”.' Heidegger mostrou-se muito satisfeito ao encontrar um exemplo como esse de identidade entre ser e pensar na antiga língua chinesa.
(…) Frequentemente usamos a palavra 'ontológico', e Heidegger me perguntou se definiríamos como ontológica tal identidade entre pensamento e ser. Disse que não, nós a chamaríamos pré-ontológica. Ele mostrou-se muito satisfeito com minha resposta” (pp. 68-69). Em 1973, recorda o próprio Chang, iniciou uma tradução do Tao Te Ching, em cujo comentário se referia frequentemente a Heidegger. Por exemplo, a propósito do cap. XXV, sugeria que o significado de wu ou “coisa” não indica a coisa entendida ordinariamente, mas sim na linha da interpretação heideggeriana da coisa, segundo a qual “coisa” designa um reunir-se. A presença de uma coisa é uma “pura, coletiva escansão” da simples unidade da Quaternidade de terra e céu, os divinos e os mortais. Além disso, a propósito do cap. XLVIII, indicava que a máxima de Lao-tzu, “quem se dedica ao conhecimento aumenta dia a dia / quem se dedica ao Tao diminui dia a dia” é comparável à de Heidegger do “passo atrás” no caminho do pensamento.
Em conclusão, cabe destacar que em Philosophy of Chuang-tzu, Chang relata um detalhe de sua entrevista com Heidegger omitido na reminiscência de Erinnerung an Martin Heidegger: Heidegger lhe mostrou uma tradução alemã do Chuang-tzu e a discutiu com uma competência inequívoca.