Nove elementos da alma humana (Enel)

Enel1966

Vejamos agora os nove elementos que compõem a alma do homem, começando pelo mais material, aquele que pode, em rigor, ser assimilado ao corpo perecível. Este elemento era chamado Khat, nome cujo sinal determinativo era um leito sobre o qual repousa uma múmia. O que nos inclinaria a crer que esta parte do homem corresponde ao seu corpo perecível é que o nome Khat se escrevia com o sinal representando um peixe da espécie oxirrinco, o qual, não sendo comestível, mas, por outro lado, muito putrescível, como todos os peixes, servia, na linguagem hieroglífica, para expressar a ideia de algo repugnante, um horror. Mas, por outro lado, como já dissemos, a aproximação com a parte inferior da alma, que a Cabala chama Habal de Garmin, incita antes a pensar que o Khat, também ele, era a parte inferior, instintiva, da alma, e não o corpo em si. Lemos nos textos que o lugar onde reside o Khat é o túmulo. Mas isso não pode ser considerado como prova de que se trate do corpo. « Habal de Garmin » pode se traduzir por: « espírito dos ossos ». Este último permanece no sepulcro após a decomposição da carne, esperando a desagregação total do esqueleto.

A parte seguinte da alma segundo o ensinamento egípcio era chamada Ba e representada, seja por um pássaro com face humana, seja por um carneiro, seja ainda por uma garça. Trata-se aí, incontestavelmente, da alma, e temos disso nos textos muitos testemunhos inequívocos. Por exemplo, Osíris tinha por epíteto: « a alma das almas », que se escrevia com o sinal Ba, o carneiro. O nome Ba não pode designar o espírito, dado que em todos os casos em que este sinal entra na composição de uma palavra ele indica não a causa primeira, mas uma influência de segundo grau que prolonga o impulso da razão primeira. Por exemplo: Bak significa servidor e, segundo outra maneira de transcrever: « esperar uma criança ». Vê-se, segundo seu papel nestas duas palavras, que a raiz Ba não expressa a causa principal da manifestação particular, mas somente os efeitos dessa causa.

Outra parte da alma era chamada Ab, e se representava ideograficamente pelo vaso dito canopo no qual era conservado o coração mumificado do defunto. Importa lembrar que, para os antigos, o coração era o centro do corpo, seu governador. Encontramos nos comentários da Cabala a afirmação de que « o coração é o rei (melek) do corpo ». Mas Ab não era o órgão físico que conhecemos sob o nome de coração. Era o próprio centro do ser humano, esse lugar da alma onde se concentravam e se transformavam as diversas correntes animando a combinação inteira. Chamo a atenção do leitor sobre estes dois nomes Ba e Ab, que aproximei voluntariamente. Foneticamente, eles se escreviam por meio dos mesmos sinais, simplesmente invertidos na ordem. É uma indicação importante. Sabemos que do ponto de vista dos antigos a vida era uma troca constante entre duas forças opostas. No mito relativo ao macrocosmo, essa troca era simbolizada pela luta constante entre Hórus (a força de evolução) e Set (a força de involução). No homem, este combate se desenrola entre as solicitações do corpo tentando mergulhá-lo mais profundamente na matéria, e as ordens da razão que o chama a espiritualizar seu ser inteiro. Parece-me, portanto, que ao inverter as letras nas palavras Ba e Ab os iniciados egípcios queriam expressar a ideia da dupla corrente que está constantemente em ação no homem e que, de fato, constitui sua vida. Mas isso não é tudo. Ao lado da denominação Ab, significando literalmente: « a alma do coração », encontramos nos textos outro termo: Hati, que à primeira vista pode passar por ter o mesmo sentido: « o coração ». As traduções comuns dos capítulos concernentes à « alma do coração » 1) não levam em conta essas duas maneiras de escrever e traduzem indiferentemente: « o coração ». Mas a diferença dessas duas representações é tão patente, e o pensamento dos Egípcios ressalta tão nitidamente em sua sutileza, que é estranho, certamente, que ninguém tenha levado isso em conta. Diz-se no papiro de Ani: « Eu compreendo por meu coração (Ab) »; e, mais adiante: « Eu domino meu coração (Hati) ». Aparece, portanto, claramente que o coração chamado Ab é uma região elevada da alma onde se forma a compreensão que deve ser posta em aplicação na obra do homem. Esta compreensão é dirigida pela razão segundo a corrente descendente que, como já dissemos, se manifesta no ser inteiro. O coração Hati, por seu lado, simboliza as paixões, que são as solicitações da matéria, e que o ser razoável deve dominar. Esta interpretação é confirmada pela frase seguinte: « Meu coração Hati é meu ser sobre a terra » (ou: minha natureza terrestre) (papiro Nu pl. S) assim como pela expressão seguinte: « Meu coração Hati em suas transformações », (em outras palavras: em suas mudanças através das encarnações sucessivas do homem). Outros textos nos ensinam que o objetivo da vida é « lutar contra o pecado original e desfazer os nós » que o homem formou em suas relações com seus semelhantes. Segundo, portanto, esta última afirmação, o homem deve transformar sua natureza inferior, isto é, dominar suas paixões.

Ressalta de tudo isso que a alma do coração, Ab, era considerada com razão como sendo o centro do ser humano, centro no qual ocorre a troca contínua das duas correntes opostas da vida. É interessante notar que nos textos hieroglíficos a imagem do vaso, junta ao sinal que representa o rosto, HR, significava gramaticalmente: « o meio », o centro de uma manifestação. Vemos a mesma combinação de sinais reproduzida no cabo do sistro que o falecido segura em sua mão para manifestar a alegria que lhe causa a ressurreição de seu ser inteiro. A reunião desses dois sinais simbolizava a totalidade de uma manifestação da vida, a causa oculta e misteriosa (o coração) junta ao efeito visível (o rosto). Esta combinação metafórica é a exata reprodução, para o microcosmo, da ideia que reencontramos, a propósito do macrocosmo, nos Textos das Pirâmides sob a forma do nome duplo: Tem-Rá, a « causa oculta da vida e sua manifestação visível — o disco solar », ou, segundo a definição dada pelos cabalistas: « a lâmpada e a chama ».

Das partes que entram na composição da alma humana, a seguinte era chamada Khaibit — a sombra. O sinal hieroglífico correspondente representa um guarda-sol. Vemos em certas pinturas murais (por exemplo, no túmulo de Seti I) a imagem, pintada de preto, do Khaibit, sob a forma da sombra de um homem. Esta parte pode ser assimilada ao corpo etérico, ao fantasma, parte anímica que pode, em certas circunstâncias, tornar-se, ou ser tornada, visível. No ensinamento cabalístico, esta parte corresponde ao Zelem, a respeito do qual se diz: (os espíritos desencarnados) « se deslocam em seu Zelem ». Na grande maioria dos casos de aparição de seres do Outro Mundo, é seu Khaibit que se torna visível ao olho humano.

Outra parte da alma era o Sekhem, que significa: « a força ». O glifo figura uma espécie de maça, de clava, o que dá a ideia de uma arma de proteção. O mesmo glifo entrava na composição do nome da deusa Sekhmet, que simbolizava o ardor do sol. Esta potência, embora indispensável a toda manifestação vital, pode ao mesmo tempo ser uma força destrutiva. Uma lenda diz que quando a humanidade cessou de obedecer ao deus-sol tornado velho e fraco, foi Sekhmet que a destruiu por sua potência. No que concerne ao ser humano, Sekhem é a força que mantém juntas todas as partes que o compõem. Lemos em um documento (papiro Edwin Smith) que « Sekhem está ao redor do meu corpo por toda a minha vida ».

Voltamos agora a um dos componentes mais importantes da alma, aquele que se nomeia Ka, e que se representava por dois braços no ato da elevação, ou estendidos para frente. A interpretação da palavra Ka foi muito discutida pelos egiptólogos. Maspero, por exemplo, o definia como: « o duplo »; Lefébure o chamava: « o gênio »; Loret: « a força de procriação »; von Bissing vê no Ka: « o poder nutritivo ». Estas definições são aparentemente contraditórias. E, no entanto, pode-se dizer que cada uma é correta até certo ponto, embora, tomadas separadamente, elas não definam exatamente esta força misteriosa. Após um estudo minucioso de numerosos textos e numerosas representações do Ka, podemos dizer que se trata de um elemento constitutivo importante da alma humana que contém a potência magnética entrando na composição de todo ser vivo. Ele representa o que se chama a aura do homem, que, por certos meios, pode ser exteriorizada e mesmo tornada visível 2). Poder-se-ia, então, defini-lo como o « duplo », seguindo Maspero, mas esta definição é insuficiente. Nas pinturas murais e nos baixos-relevos representando o Ka real, vemos sempre este último atrás do rei, que ele « protege », ou que ele anima pousando suas mãos sobre suas costas. Os antigos Textos das Pirâmides nos ensinam que a proteção mágica (ou, mais exatamente, a conservação do homem em seu estado atual) « vem das costas ». Conhecemos o papel que as costas desempenham no corpo humano. Dois elementos distintos aí se associam: a espinha dorsal, que permite ao corpo material manter-se ereto, e os centros nervosos (a medula espinhal) que governam todas as manifestações sensoriais em geral e a da geração em particular. Pode-se, então, compreender por que o emblema da potência geradora se chamava também Ka e se escrevia com o mesmo sinal dos braços estendidos, acompanhado da imagem de um touro. As correntes magnéticas são absolutamente indispensáveis à vida dos seres humanos e devem ser constantemente renovadas tirando dos elementos da natureza sua substância vivificante, seu Ka (no plural: Kaw) como o chamavam os Egípcios, que serve de alimento à parte anímica do homem, assim como a polpa material dos mesmos elementos lhe é necessária para edificar e manter seu corpo material. Expus, em um dos capítulos de minha « Mensagem da Esfinge », os efeitos terapêuticos maravilhosos que se podem obter graças ao tratamento magnético. Este tratamento é, propriamente falando, aquele que tem por objetivo reforçar no homem a corrente magnética, ou, segundo a denominação dos Egípcios, seu Ka. Resumindo todos esses dados, podemos definir o Ka como sendo a força vital (ou magnética) do homem, assim como dos animais ou de todo objeto inanimado. Diz-se nos Textos das Pirâmides que « todas as coisas passam para o Outro Mundo com seu Ka ». As experiências do coronel de Rochas e de Reichenbach mostram que as correntes magnéticas (ou a aura) representam a parte essencial do homem como de todo objeto material. Minha intenção não é aqui entrar em mais detalhes, pois isso seria apenas complicar ainda mais uma questão já suficientemente difícil.

O que vem em seguida como componente da alma humana é: Rn — o nome. Detivemo-nos suficientemente, em meus livros precedentes, sobre a importância atribuída por todos os povos da Antiguidade ao nome dado a um homem ou a um objeto. O nome, lembra-se, representava a fórmula segundo a qual um ser ou um objeto particular era construído. Assim, enquanto parte da alma humana, o nome pode ser definido como sendo a identidade do homem. Destruindo o nome pela magia provocava-se a desintegração do ser inteiro. Isso nos permite compreender a razão de todo o cuidado tomado pelos antigos Egípcios para preservar o nome e não deixá-lo perecer. Depois chegamos ao Akhu. Este era determinado ideograficamente pela imagem de um íbis. O mesmo sinal entrava na composição da palavra significando: glória, brilho, esplendor (por exemplo, o nome das estrelas circumpolares que nunca desaparecem do céu era: Akhimu-seku, que significa: « os imperecíveis »). Esta parte da alma me parece corresponder ao « corpo glorioso de ressurreição », do qual se trata nas Escrituras, o corpo que adquirirão todos os bem-aventurados, eterno e de um brilho resplandecente.

A última parte, a mais espiritual, da alma humana, era chamada Sahu. Não se trata do espírito em si, dado que este nome comporta, também ele, como sinal determinante, um leito sobre o qual repousa uma múmia. Por esta razão, penso que podemos definir o Sahu como sendo o envelope, ou o « corpo », do espírito, pela qual, ou pelo qual, a parcela da Razão Divina entra em contato com a parte psíquica do ser humano. Em certos textos, o Sahu é comparado a um assento ou um trono, o que confirma nossa definição: o Sahu é o trono sobre o qual sobe o espírito divino para reinar sobre o ser humano inteiro, assim como Osíris é o Trono do Logos, Rei do mundo. No macrocosmo, o nome Sahu pertence à constelação de Órion. Ainda aí, ele expressa a ideia de um trono que aparece, brilhante, no céu e sobre o qual sobe o deus desta constelação (mas não o próprio deus que é invisível). Temo que todos esses nomes não possam ser retidos facilmente pela memória. Assim, recapitulemos a ideia geral do ensinamento egípcio concernente à composição do homem.

A « razão » do homem, e sua companheira inseparável, o livre-arbítrio, constituem a parcela do Espírito divino no homem. As concepções da razão são transmitidas sob forma de ordens pelo livre-arbítrio à parte anímica do ser humano, que é composta de nove elementos distintos: O Sahu, primeiro envelope do espírito, frequentemente confundido com o próprio espírito. O Akhu, corpo luminoso de ressurreição. O Rn, o nome, a identidade. O Ab, centro do ser humano, no qual ocorre a troca constante entre as correntes evolutiva e involutiva, troca que permite à vida se manifestar. O Ba, alma ligada aos constituintes inferiores do ser humano pela intensidade da corrente ascendente dos sentidos para a razão. O Sekhem, força que mantém juntas todas as partes que compõem o ser humano. O Ka, potência vital ou magnética necessária a toda manifestação da vida. O Khaibit, sombra, corpo anímico. O Khat, parte instintiva que se manifesta por intermédio dos sentidos. Para simplificar ainda mais, podemos dizer que o ser humano se compõe de três partes essenciais, como ensinam a religião cristã e diferentes filosofias. São elas: o espírito, que será sob este aspecto: Sahu; a alma — Ba, e o corpo — Khat. Mas esta última definição, como o leitor percebe, segundo tudo o que foi dito, não é absolutamente correta. Ela deve ser tomada apenas como uma simplificação esquemática da doutrina vasta e complicada que ressalta dos textos egípcios.

1)
Livro dos Mortos, cap. 28, 29, 30.
2)
Ver Experiências do Coronel de Rochas: « Exteriorização da Sensibilidade ».