O homem não é senão um animal (Enel)

Enel1966

Após a criação da terra e, nesta terra, da vida vegetal, Deus, segundo a Bíblia, a povoou com todos os tipos de vidas animais, daquilo que Moisés chama de « almas viventes » (Nephesh haiah), ou, em outras palavras, das manifestações individualizadas da potência de vida. Fabre d’Olivet comenta assim esta passagem: « Ora Ihoâh, o Ser dos seres, tendo formado a substância de Adão da sublimação das partes mais sutis do Elemento adâmico, inspirou em seu entendimento uma essência exalada das Vidas, e desde então Adão, o homem universal, tornou-se uma similitude da Alma vivente universal ». (Fabre d’Olivet, « A Língua Hebraica Restituída », página 314). Tendo modelado o corpo do homem, « Deus », diz a versão corrente da Bíblia, « soprou em suas narinas o sopro de vida, e o homem tornou-se uma alma vivente ». Esta afirmação da Bíblia coloca o homem acima de qualquer outra vida animal, mostrando muito claramente que ele não é simplesmente o produto perfeito da evolução animal, mas que se situa totalmente fora de todas as outras criaturas terrestres, visto que « Deus soprou em suas narinas o sopro de vida ». Esta passagem é de grande importância e faz justiça a especulações e teorias como o evolucionismo de Darwin, que levam em consideração apenas a parte material do homem. No entanto, ao afirmar que o homem se tornou uma « alma vivente », a Bíblia dá a entender que esta parte do homem é da mesma ordem que a parte correspondente do animal. É a parte que, como já dissemos, manifesta a vida sob uma forma individualizada, em um corpo separado. Mas a criação do homem não parou aí: ao soprar na matéria adâmica modelada o sopro de vida, Deus proveu o homem de uma alma, isto é, da parte instintiva de seu ser, aquela que governa seus diferentes sentidos. O homem, portanto, embora não seja o produto da evolução animal, é, no entanto, idêntico ao animal em suas duas partes inferiores. A principal diferença entre as duas formas de criação reside no fato de que no animal a alma representa sua parte superior, comandando o ser inteiro pelo instinto, enquanto no homem a alma é o elemento intermediário que liga estas duas partes distintas e opostas que são o espírito e o corpo. Ainda aqui há uma distinção essencial a fazer entre o homem e o animal, sendo o primeiro uma formação ternária composta de um espírito, uma alma e um corpo material; o segundo sendo apenas uma combinação binária: a alma e o corpo. No que concerne à descida do espírito divino no homem, a tradução dada pela Vulgata é das menos satisfatórias e deu origem a muitas especulações, mais ou menos engenhosas. Diz-se que o homem foi criado « à imagem de Deus », o que implica que ele foi provido de razão 1), de uma parcela do princípio de seu Criador. O erro, talvez voluntário, da tradução comumente aceita da Bíblia, no que concerne à parte espiritual do homem, consiste em que os tradutores não deram atenção suficiente às diferentes particularidades que Moisés atribui ao homem nos diferentes momentos da Criação. No texto original que descreve a criação da « mulher » (segundo a interpretação da Vulgata) não é nem do homem nem da mulher, nem de um nem de outro sexo, que Moisés quis falar. Lemos, neste texto original, que Deus viu que a razão (Aish) da qual ele havia provido o homem universal (Adão) não podia traduzir suas concepções em atos, e que ela precisava, para este fim, de uma companheira espiritual. Esta última, Deus a tirou do ser do próprio homem, formando assim seu livre-arbítrio (Aisha), sua esposa espiritual, destinada a realizar as ideias emanadas da razão, a colocá-las em ação. A interpretação correta desta passagem difere, como se vê, totalmente, da lenda da criação de Eva « a partir da costela de Adão ». Os teólogos geralmente evitam discutir esta questão, percebendo o quão infantil é essa história. Pelo contrário, a interpretação correta está repleta de um significado filosófico profundo, que aparece especialmente na passagem que relata a tentação da mulher pela serpente. Para recapitular o ensinamento bíblico: vemos que o homem é composto de três elementos distintos: o corpo, formado do « barro da terra », a « alma vivente », representando a esfera instintiva, e o espírito, formado por uma parcela do que chamamos de « razão » de Deus e de seu inseparável companheiro: o livre-arbítrio. No próximo capítulo daremos uma exposição mais detalhada do ensinamento da Bíblia sobre a criação do homem. Ele nos ajudará a compreender aquele que podemos reconstruir a partir dos textos teológicos egípcios. Devo advertir o leitor que, em geral, o Ensinamento egípcio era muito mais preciso e detalhado, muito mais completo do que aquele que é exposto no livro do Gênesis. A razão para isso é provavelmente que Moisés, que obteve dos sacerdotes egípcios os elementos de sua doutrina, deu apenas o resumo, considerando, seja que esta doutrina ultrapassava a compreensão de seu povo, seja que uma parte dela não podia ser dada a qualquer um e que devia ser transmitida apenas aos eleitos, por uma tradição oral. Esta segunda hipótese parece encontrar confirmação na Cabala hebraica, onde reencontramos os traços dos princípios da antiga sabedoria egípcia.

1)
Não é sem escrúpulos que deixamos subsistir aqui a palavra razão, que pode gerar equívocos. O leitor lembrará, nesta passagem como posteriormente, que não se trata unicamente da razão raciocinante, faculdade que liga por um elo lógico os fenômenos percebidos por nossos sentidos físicos. A palavra razão deve antes ser entendida aqui num sentido próximo da palavra « causa ». N. d. T.