Jullien (FJFI) – I Ching

* No ponto de partida da realidade encontramos não uma mas duas instâncias. A realidade, como vimos, não deve seu engendramento à ação pessoal, abscôndita, invisível, de um querer divino transcendente, mas à interação espontânea dos dois polos cuja existência constatamos simplesmente quando “erguemos” ou “baixamos os olhos”: os polos do Céu e da Terra, que servem de quadro para toda a realidade.

O mundo está sendo constantemente promovido pela cooperação de duas aptidões, ao mesmo tempo opostas e complementares, simbolizadas pelas duas primeiras figuras do Clássico da mutação: Qian e Kun, a capacidade de “iniciativa” e a “receptividade”.

Qian, que é composto de seis traços yang e remete ao Céu, e Kun, que é composto de seis traços yin e remete à Terra, simbolizam todo o “capital” da realidade que é ao mesmo tempo constante e “absolutamente suficiente” (todas as operações que o livro descreve são feitas a partir apenas desses seis traços yin + seis traços yang);

Ela corresponde, do ponto de vista dos “fenômenos”, à natureza do céu e da terra: o céu estende sua influência sobre a terra e a penetra, a terra se abre para essa influência e faz prosperar os existentes.

Ao passo que a energia yin tende à concentração e leva constantemente à atualização material dos existentes, a energia yang, atravessando esta última de ponta a ponta, desdobra-a e a anima, orientando-a positivamente.

Responder a essa pergunta nos leva a compreender melhor em que consiste a interdependência (entre o Céu e a Terra, o yin e o yang) sobre a qual repousa a relação.

Por outro lado, se se sabe que o masculino inexiste sem yin e que o feminino inexiste sem yang (do mesmo modo que o céu não é exclusivamente yang nem a terra exclusivamente yin: “o céu não penetra na terra”? “a terra não contém em si a transformação que nela produz o céu”?), isso não impede que, do ponto de vista da “atividade que ele desdobra”, o masculino, “espalhando-se”, se afirme então completamente como yang, e o feminino, “recebendo”, se afirme então completamente como yin.

O céu não é totalmente yang, mas a operação que lhe é própria o é totalmente: se, portanto, enquanto realidade, tudo só existe sempre a título de mistura, no nível das capacidades postas em ação, em compensação, estamos aptos a perceber uma pura oposição; e, portanto, no direito de representar frente a frente, como nos dois primeiros hexagramas, “puro” yin e “puro” yang.