Christian Jambet (USJJ6)
A relação entre a alma individual e a Alma do Mundo não é aquela entre parte e Todo. A Alma do Mundo não é a soma das almas particulares. De fato, a Alma do Mundo é o interior, o esotérico de cada alma singular, quando ela é levada pelo amor espiritual ao êxtase e à união com o Primeiro princípio. É preciso insistir nisto: a elevação é, ao mesmo tempo, uma interiorização. A alma retorna a si mesma ao evadir-se para fora de si mesma. Voltando-se para o interior, o oculto (batin, mahjûb), ela acede a esses mundos que estão fora do mundo dos corpos carnais, ela explora até o deslumbramento os graus do Pleroma divino. O êxtase dá a chave da involução da alma, da iluminação onde se revela que ela é a Alma do Mundo. O desdobramento no espaço das emanações de toda a hierarquia das hipóstases é também o aprofundamento do coração da alma singular. A alma é um grão do Cosmos, uma mônada entre as mônadas. Mas o Cosmos inteiro é o interior dessa alma, envolvido nela, quando ela se converte para o divino, quando ela se conhece « conhecendo seu Senhor », como dirão os gnósticos do Islã. É o mesmo universo que se manifesta, do Uno ao Intelecto, do Intelecto à Alma, e que se concentra na alma como seu esotérico e o esotérico desse esotérico. Essa topologia é o sentido de todo esoterismo filosófico para o qual o grau mais interior não é outro senão o grau mais transcendente. O Céu e os graus do divino são interiores à alma, que não é outra coisa senão o ponto onde as hierarquias celestes involuem na hierarquia dos graus do universo íntimo, desse « si » verdadeiro que é a essência da Alma (dhât nafsi). A Alma do Mundo é ao mesmo tempo singular e universal. Ela não é gênero ou espécie. É antes ao modelo monadológico que se deve recorrer: a mônada envolve o Uno; ela é pura singularidade, mas se desdobra até os limites do universo, ela é o próprio universo das Formas. O relato de êxtase de Plotino nos introduz a esses leitmotivs maiores de nossa Teologia:
« Muitas vezes me encontrei sozinho com minha alma e repudiei meu corpo, pondo-o de lado, como se eu fosse uma substância nua (jawhar mujarrad), sem corpo; e retornei à minha realidade íntima (fî dhâti), fazendo retorno a ela e saindo das coisas restantes. Então eu sou o conhecimento, o universo, o conhecido em totalidade, e vejo em minha realidade íntima uma beleza, um esplendor, uma luz tais que permaneço tomado de maravilhamento e surpresa. E sei que faço parte do mundo nobre, divino, que excede toda coisa e que possuo uma vida em ato (hatâ fa’âla). E quando me tornei certo disso, elevo minha essência para fora deste mundo até o mundo divino (al ’âlam al-ilahi) e me torno como se tivesse lugar nele, como se lhe estivesse unido, e estou além do mundo do Intelecto (al-’âlam al-aqlî) inteiro. Parece-me que me mantenho nesse lugar nobre e divino. Vejo ali tal luz e tal beleza que as línguas não podem estimar sua ordenação nem os ouvidos captá-la. Quando me encheram essa luz e esse esplendor e não tenho mais força para suportá-lo, desço do Intelecto até o pensamento discursivo e a reflexão (al-fikr wa’r ra’uia). E quando retornei ao mundo dos pensamentos discursivos e da reflexão, o pensamento me velou (hajabat) essa luz e essa beleza. Então permaneço a me espantar e a me perguntar como caí desse lugar sublime e divino e vim ao lugar onde se situa o pensamento discursivo depois que minha alma teve a força de deixar seu corpo para trás, de retornar a si mesma e de subir ao mundo do Intelecto, depois ao Mundo divino, até que chegasse ao lugar da Beleza e da Luz que é a causa de toda luz e de toda beleza ». A experiência da alma se diz na primeira pessoa. Ela não é intransmissível. Ela quer apenas se comunicar à alma que poderá, por sua vez, experimentar sua singularidade no êxodo e na união amorosa. No texto grego das Enéades, o relato de êxtase abre uma longa meditação sobre « a descida da alma no corpo »; trata-se da ordem do mundo e da questão que o mina: por que, como há um alto e um baixo, por que e como há uma perda e uma obscuridade, uma claridade e uma alegria, se tudo emana da mesma e única realidade? Essa questão não é uma questão de escola. Ela se coloca ao vivente pelo próprio fato de que ele vive, e o tom existencial da meditação, onde se joga toda a significação do sistema, é dado por essa revelação feita pela alma de uma experiência: singular, ela será a evidência para a alma que a realiza. Mas essa evidência não pode ser demonstrada, tampouco pode ser refutada. É preciso uma orientação prévia da alma para verificá-la, isto é, do sujeito para fazer dela a verdade de sua alma. No texto árabe da Teologia, o êxtase é narrado logo no início. Com diferença de poucas páginas, é o verdadeiro começo, a abertura da Teologia inteira, e é sob seu signo que ela falará. Esse lugar não pode ter sido decidido ao acaso. Pode-se, ao contrário, emitir com razão a hipótese de que o relato de êxtase dá a chave da arquitetura inteira, da curva completa da Teologia. Ela é sua réplica no nível da experiência real da alma, ela transmuta em evento um edifício de conceitos. Essa experiência começa por uma evasão (segundo Plotino) que é também uma repudiação (segundo a Teologia): a alma rompe o laço de servidão que a acorrenta ao corpo. Esse despojamento devolve a alma a si mesma, a essa intimidade que se aprofundará até o mundo divino: pois é um mesmo movimento que faz o retorno da alma a si, sua acessão iluminativa à sua verdadeira realidade e o acesso a saberes e a mundos permanecidos obscuros. A alma se identifica primeiro à ciência, ela é verdadeiramente Sophia na medida em que se reconhece no universo inteligível. Mas ao se reconhecer como o reflexo, o duplo do Intelecto, ela pode ver que o Intelecto é também uma emanação, que em suas Formas o essencial não é o que a Luz desenha, mas essa própria Luz. E a Alma supera o grau do Intelecto para se unir ao mundo divino. Essa união que o texto grego chama de fato uma stasis, que o texto árabe comenta com profundidade, mostrando que esse repouso é também a descoberta do verdadeiro lugar da alma, essa união excede todo pensamento, toda reflexão e toda sensação. Ela está além do que a língua pode dizer. O Uno transcendente se dá a ver ou antes a amar como a presença immédiata de uma Beleza e de uma Luz intoleravelmente liberais. É o Belo que está no cume do ser, além de suas formas. E como o Sol da República ofusca o evadido da Caverna, a Beleza desvelada constrange a alma a retornar aos véus que desviam, filtram, refletem: a Alma retorna ao nível do Intelecto, depois recai ao nível que deixou primeiro, guardando de sua viagem extática uma nostalgia sem limite. Essa nostalgia inaugura a metafísica, pois a questão das questões permanecerá aquela: por que, como é preciso que a Beleza mais desejável seja também a Beleza que o desejo da alma não pode conquistar, exceto ao redescender a hierarquia dos Véus que a ocultam? A metafísica é um comentário do drama de amor da alma. É isso que o movimento de involução do universo na alma e em sua experiência do divino lhe revela. Não há conhecimento que não seja êxodo porque não há conhecimento que não seja amor. Mesmo o Intelecto não pode se desvelar à alma se não for alcançado por ela numa viagem cuja motivação o ultrapassa. A separação radical do Primeiro Princípio e das hipóstases que dele emanam tem por consequência a natureza íntima da alma: ela é inteiramente desejo. A Teologia de Aristóteles será uma imensa meditação sobre o desejo. Falta algo à alma, cuja atividade consiste numa reconquista indefinida onde se desdobram para ela os universos. Todo o sexto « maymar » da Teologia comentará essa situação da alma, a propósito da « natureza das estrelas » e do « problema da magia », por exemplo. Se o mago pode obter algum efeito de sua arte, não é porque esteja de posse de um saber miraculoso. Não, ele se contenta em revelar as correspondências amorosas entre os seres da Natureza, isto é, os laços secretos do inteligível tais como a Natureza os revela no sensível pela mediação da Alma do Mundo. O mago não faz outra coisa que o músico, ou o amante: assim como uma melodia não se reduz às suas estruturas inteligíveis, à armadura das notações, mas, ao contrário, as metamorfoseia num impulso que abre para o indizível, para o Uno-Bem-Belo e o divino, da mesma forma faz a magia com os corpos e as leis que os regem. É que « uma coisa atrai outra coisa, e só por isso que ela possui o amor. Pode-se encontrar nas coisas uma coisa que une as almas umas às outras ». É assim que o amor do homem pela mulher, do corpo natural por outro corpo são a cópia, a imagem do amor sofianico universal. À Alma do Mundo é devolvido esse amor cósmico, às almas individuais a experiência do amor, da filosofia e da música. O mundo é como um vivente: dizê-lo é decifrar por toda parte nele o amor sofianico e revelar seu drama.