Jullien (FJFI) – Qian

Excertos resumidos de «Figuras da Imanência»

Resulta dessa atividade o fato de as estações não pararem de se encadear e a existência não parar de advir: essa fórmula de base nos diz, portanto, o que serve para promover a realidade.

Não há nada de “grande” que essa energia yang não possa “atingir”, nada de “pequeno” que ela não possa “penetrar”, e, operando de maneira “harmoniosa e doce”, ela “triunfa” sempre sem encontrar obstáculo: por isso sua “amplidão” é “incomparável”.

Ela representa nele o capital de “humanidade” (no sentido do ren confuciano) que permite à nossa consciência não se dobrar egoisticamente sobre si mesma, mas estar aberta às outras e se sentir solidária com o mundo inteiro (“desdobrando-se” e “comunicando-se” intuitivamente, de consciência a consciência, notadamente quando ela reage de modo imediato à infelicidade de outrem, como em Mencius).

Por isso o mal não está inscrito no ponto de partida de nossa natureza, mas corresponde apenas à privação dessa faculdade de impulso (desse ir para a frente): quando nossa consciência, em vez de se desdobrar, se fecha, se deixa arrastar pelas realidades do exterior e se avassalar por elas (sob a pressão dos desejos) ou se deixa condicionar pelo hábito e se esclerosa, e renuncia a sua livre e generosa progressão; quando, em vez de animar o mundo, ela se torna inerte, não mais em expansão, e renuncia à sua criatividade.

Ele evoca, à imagem da energia que se expande no interior dos alimentos e os faz cozinhar, o poder que essa capacidade de iniciativa possui de se propagar cada vez mais através do real e de fazê-lo atingir seu pleno desabrochamento.

Essa gestação contínua de que decorre a evolução em curso, nada a manifesta melhor do que as nuvens; essa difusão benéfica que se derrama sobre a terra e faz prosperar todos os seres, nada a ilustra melhor do que a chuva.

A noção de “proveito” (li) evoca a eficácia que resulta dessa capacidade de iniciativa e de progressão, e conclui com a vantagem que daí decorre para todos os existentes:

bem longe, portanto, de significar um benefício particular e egoísta (que corresponde apenas ao interesse individual), ela realça a positividade de conjunto desse processo em que o desdobramento da energia yang se realiza para todos e “sem se economizar”.

no mundo “só o que não é direito (correto) não está apto a ser conservado”; e é porque o Céu não se desvia jamais da retidão de seu curso (e, antes, do dos astros e das estações) que ele está apto a prosseguir sempre seu curso.

Como o proveito que resulta do exercício dessa capacidade de iniciativa corresponde sempre ao “quinhão de cada um” e porque ele respeita assim o interesse comum, esse proveito é sempre “correto”;

a conjunção da felicidade e da virtude não implica, portanto, nenhuma ultrapassagem da experiência ou do sensível, ela se realiza totalmente no interior mesmo desse processo e sponte sua.

Vasta claridade, do fim ao começo, as seis posições advêm cada uma em seu tempo: em todo tempo, cavalgar os seis dragões para dirigir o céu; o caminho de Qian a capacidade de constante iniciativa modifica e transforma, e cada um recebe a natureza que lhe cabe e constitui sua retidão: (todos) se conservam e se unem numa completa harmonia; assim são o “proveito” e a “integridade”.

Antes de ser a do Sábio (como o compreendem muito estreitamente Legge ou Wilhelm), a “vasta claridade” para a qual se abre esse desenvolvimento é a do Processo em si mesmo, o “Céu”: o que leva a expressão a significar que esse processo de advento da realidade não se desenrola ao acaso, de maneira cega, e também que esse processo não cessa de se encadear a si mesmo e que seu desenrolar é ininterrupto (o “fim” já contém o “começo”, do mesmo modo que está contido nele, não existe portanto início primeiro).

Assim, a moralidade é apenas o reflexo, no plano humano, daquilo que constitui a lógica de advento da realidade. Como se viu, é a mesma capacidade de iniciativa e de desdobramento que se encontra na origem de todos os fenômenos e deve animar constantemente nossa consciência, dirigir nossa conduta.