Kastrup2021
A noção de “sincronicidade” de Jung é crucial para suas visões metafísicas, pois a sincronicidade transcende os limites da psicologia e faz afirmações sobre o mundo físico em geral. Sua principal alegação é que, além das cadeias de causa e efeito, o mundo físico também se organiza de acordo com relações de significado determinadas de forma arquetípica, como acontece com os sonhos, como acabamos de ver.
Jung contrasta a sincronicidade com a causalidade mecanicista para destacar por que a última não é suficiente para explicar como nos relacionamos com o mundo físico e, ainda mais importante, como o mundo físico se relaciona conosco. Portanto, vamos começar revisando a noção de causalidade.
David Hume considerava a causalidade “o cimento do universo”, no sentido de que os eventos físicos se unem por meio de cadeias de causa e efeito. Tudo o que acontece no universo físico — exceto talvez o evento primordial da criação, o próprio Big Bang — tem uma causa e um efeito, mesmo que este último não seja perceptível. É em virtude dessas cadeias de causa e efeito que a configuração do mundo físico muda e evolui ao longo do tempo.
Os filósofos ainda debatem o que é causalidade. Grande parte desse debate, no entanto, consiste em esforços para definir corretamente a causalidade em palavras, mesmo que intuitivamente saibamos o que queremos dizer com isso. Portanto, é seguro ignorar os detalhes filosóficos e concentrar-se apenas em alguns pontos importantes.
Adquirimos nossa compreensão da causalidade por meio da observação das regularidades do comportamento da natureza. Em outras palavras, nossa noção de causalidade é, pelo menos em grande parte, derivada empiricamente. Por exemplo, podemos observar que quando uma primeira bola de bilhar em movimento atinge uma segunda bola em repouso, esta última começa a se mover. De fato, isso acontece toda vez que vemos uma bola em movimento bater em uma bola estática, de modo que passamos a esperar por isso e, eventualmente, até a considerá-lo um dado adquirido. São essas observações repetidas e consistentes que nos motivam a abstrair uma regularidade causal correspondente: um corpo em movimento faz com que um corpo estático se mova se e quando eles colidem. De modo mais geral, ao observarmos cuidadosamente os padrões de comportamento da natureza, podemos catalogar progressivamente suas várias regularidades, o que fornece uma base para nossa compreensão da causalidade.
Entretanto, as regularidades por si só não são suficientes. Por exemplo, uma tempestade segue regularmente a queda do barômetro, mas isso não significa que a queda do barômetro cause a tempestade. Na verdade, é uma redução na pressão atmosférica que causa tanto a queda do barômetro quanto a chegada da tempestade. Além disso, às vezes uma regularidade observada é apenas uma coincidência, o que não implica nenhuma conexão causal entre os eventos. Por exemplo, a “Miss Unsinkable” Violet Constance Jessop estava a bordo do Titanic, do Olympic e do Britannic quando o desastre atingiu os três navios. Mas isso não significa que a presença da Srta. Jessop tenha causado os desastres dos navios.
Por isso, os filósofos criaram um critério adicional para identificar a causalidade: a dependência contrafatual. A ideia é simples: suponha que um evento B se segue regularmente a um evento A. Queremos saber se A causa B, se talvez A e B sejam ambos causados por um terceiro evento ou se a regularidade observada é apenas coincidência. Para descobrir isso, montamos um experimento sob condições controladas, no qual primeiro induzimos A e depois verificamos se B o segue. Ex hypothesi, B será seguido. Em seguida, repetimos o experimento, garantindo que todas as condições importantes sejam replicadas, exceto que, desta vez, não permitimos que A aconteça. Será que B ainda ocorre? Se não ocorrer, então podemos ter mais confiança de que A de fato causa B, pois, se todo o resto for suficientemente igual, B não ocorre na ausência de A. Tecnicamente, dizemos que B é “contrafactualmente dependente” de A.
Juntas, as regularidades e as dependências contrafactuais fornecem uma base prática para identificar relações causais na natureza.
As regularidades e as dependências contrafactuais são fenômenos físicos observáveis, acessíveis empiricamente para nós. Se simplesmente olharmos ao nosso redor e, talvez, fizermos alguns experimentos, elas se revelarão obrigatoriamente. No entanto, o que chamamos de “causalidade” não são esses fenômenos físicos observáveis em si, mas aquilo que os fundamenta e explica, ou seja, aquilo que, nos bastidores, faz com que eles se desdobrem da maneira como se desdobram. Dessa forma, a causalidade é um princípio organizador metafísico subjacente e imanente à natureza física. Os modelos científicos — teorias — que articulamos matematicamente e refinamos ao longo do tempo são apenas aproximações desse princípio organizador subjacente. Sem postular essa base metafísica, seríamos forçados a considerar as regularidades e as dependências contrafactuais como casualidades arbitrárias, meros artefatos do acaso, pois não haveria nenhuma razão a priori para que elas acontecessem.