Wilberg (AA) – Abuso, sujeito-objeto

PWAA

Uma pessoa, criança ou adulto, é abusada — seja economica, emocional, psicologica, fisica ou psiquiatricamente. Ou seja, ela é manipulada, vista, tratada — usada — como se fosse um objeto. Hoje em dia, muito se fala sobre o fato de que o abuso infantil é muito mais comum e difundido do que se pensava antes. E ainda assim, isso é visto como algo novo, apesar de a história humana estar repleta de abuso em massa de homens, mulheres e crianças — e em escalas que fazem os horrores atuais parecerem pequenos. O que permanece não pensado é a natureza essencial e a razão desse abuso, sobretudo suas raízes no uso comum de objetos e nesse modo de consciência associado à relação sujeito-objeto — um modo de consciência que ainda consideramos normal e uma forma de entendê-lo que ainda tomamos como verdadeira. Consciência e cognição há muito são falsamente mal interpretadas, pelo menos no Ocidente, como uma relação entre sujeitos e objetos separados — vistos seja como propriedade de uma pessoa individual como sujeito, seja como função de um objeto material, como o cérebro.

A consciência é vista como consciência de algo — o que Husserl chamou de seu objeto intencional. Da mesma forma, pensamentos e emoções são entendidos como pensamentos sobre ou emoções dirigidas a algo ou alguém, algum sujeito ou objeto. A consciência e o próprio pensamento também são associados ao uso ativo de objetos, seja como meios de produção ou como armas. Mas e se o uso de objetos — baseado na redução da consciência à relação entre um sujeito ativo e um objeto passivo — for a essência não pensada e a origem de todo abuso? Pois dizer que uma pessoa — seja criança ou adulto, homem, mulher ou criança — é abusada significa, essencialmente, dizer que ela é ou foi manipulada, tratada, vista — usada — como se fosse um objeto. Possíveis consequências desse (ab)uso podem ser:

A base do que chamo de Princípio da Consciência é que há uma diferença abismal entre, por um lado, estar subjetivamente consciente do próprio corpo e de si mesmo, estar consciente de uma coisa ou pessoa, estar consciente de um pensamento ou sentimento e, por outro lado, transformar uma coisa ou pessoa em um objeto de pensamento ou sentimento — e, portanto, também em um potencial objeto de uso, incluindo mau uso ou abuso. O Diagrama 1 abaixo representa a natureza da consciência entendida como uma relação entre sujeito e objetos, na qual diferentes elementos de nossa experiência são intelectual ou emocionalmente objetificados. O ego é mostrado como um Sujeito (S) situado acima e separado desses elementos da experiência (representados como Os circulares), que ele olha de cima como Objetos:

Consciência como sujeito pontual (S) situado acima e separado de seus Objetos (O): Diagrama 1 Sujeito S O O O O O O O O O O O O O O O

Em contraste, o Diagrama 2 representa esses Objetos não como objetos, mas simplesmente como quaisquer elementos da nossa experiência — sejam eventos, pessoas, coisas, pensamentos, sentimentos ou sensações. No entanto, a pura consciência subjetiva desses elementos da nossa experiência não depende de um ego ou sujeito preexistente que se coloque acima e à parte deles, distanciando-se deles, focando-os e objetificando-os. Pois, diferentemente dessa consciência objetificante, a consciência tem o caráter essencial de um espaço ou campo que envolve e abraça cada elemento da nossa experiência — da mesma forma que o espaço envolve e abraça toda coisa dentro dele. Diagrama 2

Consciência pura ou subjetividade como um campo amplo (o espaço dentro do círculo maior) no qual todos os objetos aparentes (O) são abraçados como elementos da experiência subjetiva, interna ou externa.

Entretanto, ao longo da psicologia contemporânea, fenomenologia e filosofia, a consciência ou subjetividade ainda é vista de maneira tradicional e não questionada como propriedade ou atividade intencional de um sujeito ou ego isolado — separado dos outros e situado acima e à parte de seus objetos. A consciência é vista como algo encerrado, como dentro de uma bolha, pelos limites do corpo físico, através da qual o sujeito espreita o mundo pelos “buraquinhos dos sentidos”.

No entanto, em muitas situações de violência, perseguição política, tortura, abuso sexual ou exploração e privação econômica, até mesmo esse sentido egóico restrito de subjetividade — de ser um sujeito ativo e perceptivo — é minado pela experiência de ser percebido, manipulado e usado como mero objeto — a essência do abuso. Se, como resultado, a subjetividade da pessoa (abusada) é suprimida, deslocada ou até identificada com o sujeito abusador, então consequências ainda mais graves surgem: