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Dubois (DDAG) – A não-via ilumina as práticas variadas

DDAG

Resta que, apesar da inteligência dessa resposta, ainda podemos nos perguntar se ela não é a marca de uma falta de pedagogia por parte da encarnação de Śiva. Essas declarações sobre a evidência do Si parecem à primeira vista arruinar todas as práticas de yoga. Além disso, Abhinavagupta não zomba abertamente dos yogas e dos rituais?

No entanto, é claro que Abhinavagupta nunca exclui nada de sua concepção do absoluto, já que tudo é luz, inclusive a obscuridade. A fortiori, os rituais e outras práticas pressupõem uma certa dualidade, uma diferença entre o praticante e seu objetivo. Ao contrário do não-dualismo de Śankara, o mestre shaiva não fundamenta sua “não-dualidade” na exclusão da dualidade, mas na sua integração na unidade. Alguns sistemas, como o do Sāmkhya ou do Siddhānta, postulam dois princípios distintos que depois se esforçam para reconciliar. Śankara acredita ter a solução ao admitir um único princípio. Já Abhinavagupta admite que apenas o Si existe. Mas esse Si é dotado de consciência. Essa consciência abre a porta para a dualidade. Mas o Si permanece uno. Simplesmente, ele se concebe de diversas maneiras. Há, portanto, não-dualidade, mas uma não-dualidade que justamente torna possível a dualidade. Existem, assim, três possibilidades: a dualidade pura, a unidade pura e a dualidade percebida sobre o fundo da unidade. A dualidade no esquecimento da unidade é ilusão. Mas a unidade que exclui a dualidade é um erro. Apenas a reconciliação da dualidade e da unidade liberta.

Consequentemente, as práticas também não passam do desdobramento da liberdade do Si, manifestação da dualidade sobre o fundo de uma unidade revelada pouco a pouco: “A ação, de fato, não é nada mais que um conhecimento (eterno e desde sempre perfeito, mas se revelando) progressivamente para servir de via. É esse conhecimento que se chama então atividade” (TA, I, 232, Silburn mod. p. 119). A atividade ritual, como toda atividade, é apenas a exteriorização de representações que, por sua vez, são o prolongamento de um impulso intuitivo que Abhinavagupta chama de “vontade” ou “desejo” (icchā). Nesse sentido, a prática para realizar o Si em seus diversos aspectos é a liberdade do Si mesmo. É o Senhor que percorre os caminhos que levam a Ele. Há sempre apenas uma única realidade que se perde e depois se reencontra de mil maneiras. Esse caráter aventureiro do absoluto se destaca particularmente nesta passagem recapitulativa, na qual Abhinavagupta brinca com os diversos sentidos da raiz div, que dá, entre outras coisas, a palavra “deus” (deva): “(O Si é Deus) porque ele joga um jogo que é um jorrar, massa indivisa da felicidade do Si, sem se importar com o que deve ser buscado ou rejeitado. Ele é desejo de dominar tudo o que existe e liberdade soberana. Embora não seja afetado pela linguagem, um murmúrio orientado para a dualidade surge nele. Manifestando tudo o que existe, ele é iluminação. Ele é louvor porque todos os seres tendem a ele, desfrutando de suas obras. Por fim, ele é consciência feita da totalidade das ações, constituído de conhecimento e atividade. Ele é, portanto, o movimento na origem das aparências” (TĀ I, 101-103, Silburn mod. p. 97). Nesse vasto movimento de fluxo e refluxo, os rituais, dos quais os diversos yogas são apenas formas interiorizadas, são atos de devoção. As diferentes “métodos” podem ser consideradas do ponto de vista de cada método. Assim, a atividade ritual assume um sentido diferente dependendo se nos colocamos na perspectiva da “não-método” ou na da “método individual” ]. Para o adepto da não-método, até mesmo o ritual será uma pura celebração gratuita. Para o adepto da via da atividade, até a não-método aparecerá como uma forma de prática. No entanto, os yogas e outros rituais não têm outro objetivo senão o louvor consciente do Senhor. É claro que essa concepção vai contra a tendência ritualista e tecnicista encontrada nos tantras como nos Vedas. Ao mesmo tempo, ela prefigura uma tendência que se tornará dominante durante a Idade Média indiana: a do amor divino (bhakti) desinteressado e dirigido a um absoluto pessoal, o Senhor. É para esse desejo de Deus que nos voltaremos agora, pois ele está no coração da primeira e mais elevada das vias, precisamente a do desejo (icchā).

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