Anirvan (LRVV) – Samkhya
LRVV
O sâmkhya é, por excelência, a filosofia prática transmitida por Kapila ]. O sâmkhya oferece uma noção clara do Purusha-espírito e da prakriti, representada pela «grande Natureza». Esta última se manifesta essencialmente de maneira mecânica, como, aliás, todas as leis cósmicas que nos regem. Sei o quanto é difícil transmitir valores espirituais profundos àqueles que foram criados em uma tradição diferente. Por causa disso, penso que a melhor abordagem, para conectar as coisas do além com as coisas do mundo, é a da psicologia prática. A psicologia fala uma linguagem universalmente conhecida. O sâmkhya é a única filosofia religiosa que utiliza uma linguagem psicológica, o que a torna, por essa razão, uma linguagem científica. É possível explicar tudo do ponto de vista sâmkhya. Está na base dos Pitakas búdicos ] assim como dos preceitos sufis. Não mais do que as Upanishads, não fala de ritos ou de dogma. Aqueles que introduzem essas ideias muito amplas na corrente do pensamento realizam algo importante. Nisso, Georges Ivanovitch Gurdjieff, que seguiu esse método desprovido de qualquer artifício, é um pioneiro no Ocidente. Está muito à frente de seu tempo, daí os ataques virulentos de que é alvo. Não existe nada, em nenhum domínio, que não proceda por dedução a partir de uma lei superior. Em determinado momento, é preciso aceitar entrar nesse processo dedutivo e ir em direção a um existencialismo espiritual. Esse processo é puro sâmkhya; é a descida em prakriti, inelutável, sob a pressão de cima, do Querer único. A partir desse momento, tudo se torna mecânico: a inteligência superior (buddhi), a alma, o ego, todos os centros do ser humano, cada um com sua parte de inteligência natural. A mecanicidade funciona a partir do momento em que se estabelecem relações entre os diferentes planos do ser, seus órgãos internos de percepção (indryas), seus sentidos, seus elementos constitutivos e suas densidades. Quando a descida é realizada voluntariamente por «aquele que sabe», quando o ponto mais baixo, ou seja, o nadir, é tocado, o «ser» do buscador resplandece. Nesse momento, ele entra conscientemente na disciplina da ascensão consciente com uma lucidez e uma plasticidade constantes. O homem, por natureza, é indutivo; ele tateia, ele segue às cegas. A mulher, ao contrário, por sua natureza, é toda passividade ativa, pois sua função é criar a criança. Dela nasceram o marido e o pai. Tudo o que é manifestação: espírito, alma, matéria, veio dela. É nisso que ela é a «Mãe divina», a base de onde partir para subir lentamente em direção à fonte. No vedanta e para os vedantinas, o caminho para o alto é apenas uma longa renúncia, um retiro e uma frustração constante se o ponto de felicidade, em plena passividade de todos os centros, não for atingido. A ciência espiritual do sâmkhya pode fazer um santo de um homem que não tem mais fé, nem em Deus, nem em si mesmo. No início, o sâmkhya parece de uma secura terrível e carente de amor, pois a imaginação e as emoções de todas as sortes são rigorosamente postas de lado. Mas quando o ser interior reencontrou o equilíbrio perdido ou descobriu o equilíbrio até então nunca vislumbrado, ele se nutre de um amor muito puro que não tem mais nenhuma raiz no amor humano. O seguinte exemplo tirado do tantrismo sahaja o formula assim: «Que o corpo se torne duro como madeira seca, então a felicidade interior (rasa) será parecida com xarope de açúcar. Que o fogo da disciplina espiritual (sâdhanâ) purifique esse xarope até que se torne açúcar candi; esse açúcar candi será primeiro marrom, depois finalmente se tornará transparente como cristal de rocha. Que a felicidade interior se assemelhe ao cristal de rocha, o amor terá então a pureza do amor de Krishna». Para saborear essa experiência, há dois meios em níveis opostos. Um desses meios é aquele empregado pelo corpo físico que utiliza excitantes para aumentar os prazeres sexuais ou outros; o outro meio é aquele do corpo espiritual que irá conscientemente de refinamento em refinamento para alcançar com lucidez uma interiorização rigorosamente graduada. Essa lucidez consciente será contínua como o traçado de uma lagarta na terra. Então o estágio do conhecimento será atingido, ou seja, o estágio de um conhecimento que se buscará e se descobrirá gradualmente. Em seu ponto mais alto, após um requinte muito delicado, ela se torna verdadeira compaixão ou puro amor objetivo. Nessa busca, o cristão se aventura com dificuldade, pois precisa considerar um «corpo de pecado» que é de um peso muito pesado. O cristão coloca seu ponto de apoio à sua frente, em Deus que lhe dá força e consolação. Ele ora, invoca e rende graças. Ele é um adorador (bhakta) diante de seu Senhor (Ishtadevatâ). Os hindus, em sua imensa maioria, também são adoradores. O adepto do sâmkhya coloca seu ponto de apoio em uma atitude de ser, no esforço consciente de compreender. Para isso, ele utiliza tudo o que descobriu, tudo o que viveu; seu material consiste em eventos de sua vida para ampliar seu plano de consciência, para harmonizar o microcosmo que ele é e para encontrar a relação existente entre esse universo conhecido e o universo desconhecido que o cerca. Se não tem oração nem pedido, tem, por outro lado, uma atitude de abertura. Ele constata, ele observa. Ele busca em si uma sensação conhecida para enfrentar a lei perfeita e absoluta que se desenrola, e na qual ele sabe que é encontrando obstáculos que o ser interior fará um novo esforço para alcançar um nível de consciência mais vasto. Manter-se nela será uma questão de vigilância atenta, um imenso trabalho feito de detalhes que se somarão a outros detalhes, até que os primeiros tenham sido claramente percebidos. Tal vida é uma oração vivida.
