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Etapas do itinerário espiritual (Ansari)

Ansari, 1985

O caso das Etapas é bem diferente. Trata-se, desta vez, de um livro composto para responder aos pedidos reiterados de sufis que desejavam dispor de um guia que atendesse a condições bem precisas: apresentação das etapas do itinerário espiritual “dispondo-as de forma a indicar sua ordem de sucessão e mostrar as ramificações que elas comportam”, exclusão de citações de terceiros e brevidade, “a fim de torná-lo mais agradável de pronunciar e mais fácil de memorizar”. Daí a disposição das divisões e dos capítulos, “para dispensar longos desenvolvimentos que provocam tédio e fazer com que não seja necessário fazer perguntas”. Ansârî concorda que nenhuma obra de seus antecessores atende a esses requisitos de maneira satisfatória. Ele vai, portanto, criar uma obra nova, onde a precisão e a concisão se aliarão à sistematização com um objetivo tanto pedagógico quanto mnemotécnico.

Uma introdução, cem curtos capítulos contendo uma citação corânica, uma definição e uma análise em três pontos — As Etapas dos Itinerantes podem parecer uma réplica dos Cem Terrenos. As duas obras trazem a marca do mesmo autor que, com vinte e seis anos de intervalo, não mudou seu estilo. As diferenças aparecem quando examinamos mais de perto: a introdução anuncia uma estrutura muito rigorosa (dez seções de dez capítulos, cada um analisado segundo três graus), a lista de noções estudadas não é a mesma, sua posição no itinerário mudou assim como as citações corânicas que as introduzem, as definições são rigorosas, as análises deixam pouco espaço para fantasia, as comparações são discretas e os voos líricos estão excluídos. O que significam essas mudanças? Responder a essa pergunta nos permitirá compreender a originalidade das Etapas, o ensino espiritual que contêm e a evolução do pensamento de Ansârî.

Para isso, a introdução nos fornece elementos de capital importância. Como vimos, para atender às exigências de seus discípulos, o mestre anuncia o plano que adotou: “Dividi em cem moradas, repartidas em dez seções”. Segue uma observação que transforma em regra o que uma citação de Junayd apontava como mera possibilidade: “Na minha opinião, o servo não possui uma morada de forma perfeita enquanto não se eleva acima dela, depois a domina e a corrige”. Relacionada a um dito de Busrî que Ansârî fez seu: “Deus tem servos a quem mostra em seus começos o que contêm suas etapas supremas”, essa observação deve nos alertar contra qualquer concepção linear do itinerário espiritual. A ordem de sucessão das etapas pode ser alterada conforme as iniciativas de Deus e as vocações individuais. Por outro lado, não se sai de uma morada para entrar em outra: quanto mais se progride, mais as aquisições passadas se enriquecem e se aperfeiçoam. Daí a importância da autenticidade dos começos, sobre os quais se construirá todo o edifício.

Dito isso, Ansârî continua: “Além disso, nessa questão as pessoas são de três tipos: um homem que age, dividido entre o temor e a esperança e tendendo ao amor sem abandonar a modéstia; é aquele que se chama murîd. Um homem arrebatado do vale da dispersão para o vale da concentração em Deus; é aquele que se chama murâd. Aquele que não é nem um nem outro é um presunçoso, induzido em tentação, seduzido”. Embora sejam objeto de capítulos particulares (cap. 43 e 50), os estados de murîd e murâd (via ativa e via passiva) assim se repartem entre todos os Itinerantes autênticos. Tal como são evocados aqui, representam realidades dinâmicas e complexas, cujos elementos serão estudados separadamente, como diversas moradas, ao longo da obra.

O mesmo ocorre com os três estágios (rutab) que, nos diz o autor, reúnem todas as moradas: a partida daquele que fez o propósito de avançar (cap. 41), sua entrada no desenraizamento (cap. 77), sua chegada à contemplação (cap. 82) que atrai para a pura essência da Unificação (cap. 100) no caminho do aniquilamento (cap. 92).

Finalmente, Ansârî nos diz: “Distinguí para ti os graus de cada uma dessas moradas, para que conheças o grau do Comum das Pessoas que a elas se dedicam, depois o grau do Progressista, depois o grau do Realizador. Cada um deles tem uma regra de marcha, um caminho e uma direção que lhe são atribuídos; plantou-se para ele um estandarte ao qual é enviado, e deu-se-lhe um objetivo para o qual é estimulado”. Essas imagens evocam um cross-country, o oposto de uma descrição estática. O caráter dinâmico do itinerário espiritual era aliás indicado desde o título da obra: As Etapas dos Itinerantes e não moradas (termo estático) ou mesmo terrenos (termo neutro). Ao longo da obra, Ansârî falará de capítulos, mostrando que se trata de um simples ordo expositionis.

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