Ativarnashrami (Conversas, abril 2003) – Conversa no dia 5
Sábado, 5 de Abril de 2003
Quando se recebe suficiente instrução… o resto do trabalho… é tratar por todos os meios… de concentrar-se na sensação de si mesmo no peito… segui-la até sua origem… É algo espontâneo… Aí desaparece o ego e o mundo… desperto… E compreende-se que tudo é si mesmo…
Os pensamentos cessam aí… Não é algo que se deva esforçar… simplesmente ao prestar atenção à sensação… A sensação de si mesmo está no peito… Presta-se atenção… sente-se… agora… Não tem forma… não tem cor… Se surge algum pensamento… volta-se à atenção… E assim faz-se um estado de paz… o estado de paz que sempre é…
Não é preciso estar convencido de nada… A sensação de si mesmo não tem modelo… não se parece a nada… Não está descrita nos livros… não está nos livros… Está no peito… Sente-se patentemente… Se não se cessa a atenção a ela… todos os pensamentos terminam… Termina o ego… esquece-se do “eu”… Aí não há nada para compreender… nada para saber… nada para fazer… e nada para poder… Isso é entrega… e também aceitação…
Todos nascemos diariamente… Quando vamos dormir… vem o sono profundo e desaparece o ego… desaparece o mundo… Quer dizer… o ego e o mundo são a mesma coisa… Ninguém se propõe realizar-se no sono profundo… porque não há ego algum… Nem compreender… nem fazer nada… nem se reprova por não poder… O sono profundo é um estado que tem muito a ensinar… Plenamente disponível… sempre aberto… Fala por si só… É mais eloqüente que todos os livros…
Se durante a meditação… consegue-se… prestar atenção à própria sensação de ser… no peito… completamente desinibido… sem esperar nada… apenas presenciando… Se durante essa meditação… observa-se que os pensamentos se detêm… com eles também se detêm as representações… Com eles detêm-se o fazedor em nós… detém-se o compreensor… detém-se o que crê poder… o “podedor”… Isso é sono profundo em vigília… sono profundo desperto…
Então compreende-se… que tanto o ego quanto o mundo são apenas pensamento… que não há nada disso… desaparece… Sua origem está em si… e seu fim também…
Mas essa prática deve ser repetida… Não basta uma compreensão apenas mental… feita de pensamento… Trata-se mais de uma não-compreensão… De dizer a si mesmo… “Não quero saber mais”… Saber acaba… vem o sono profundo… e ninguém se propõe ali… “Eu sei… eu compreendo”… No entanto não se pode negar o próprio ser no sono profundo… Sobrevive ao estado de vigília e ao estado de sonho com sonhos… Sobrevive sem “eu”… sobrevive como felicidade apenas… sem experimentador… sem atividades… sem atos…
Tem que comprovar por si mesmo… Por isso todos os Mestres… recomendam sempre a meditação… porque é um trabalho que eles não podem fazer… E porque deve ficar consigo mesmo… para compreender que tudo é pensamento… e ver-se sem ele… palpavelmente… não como uma ideia… Ver como efetivamente… na medida em que se atende… se presta atenção à sensação de si mesmo… Na medida em que se está totalmente… atento… a essa sensação de si mesmo… nessa medida os pensamentos não estão… Nem as propensões… nem as inclinações… nem a identidade “eu sou o corpo”… Mergulhado nesta meditação… frequentemente sobrevém o sono… o sono profundo… Inadvertidamente esquece-se de tudo sem ter se deitado para dormir… mas tendo se posto a meditar… Seu estado é então felicidade… felicidade como a do sono profundo… Esquecimento e ausência de tudo… Isso está sempre disponível… a qualquer hora do dia ou da noite… É o que sustenta tudo… Esse todo aparentemente exterior… no qual está incluído o pensamento “eu sou o corpo” não é mais que isso… pensamento… Como um pensamento pode tomar… esta aparência de vigência?…
Podemos perguntar-nos também… sobre o sonho com sonhos… Como onde não há nada… aparece uma totalidade… um mundo inteiro… um mundo inteiro que nunca sai de si mesmo… Vê-se todo tipo de coisas… Inclusive sente-se a si mesmo dentro… E é apenas pensamento… um pensamento revestido de imagens… um pensamento incontrolado… Na realidade não está ocorrendo…
Esta vigília é igual… Na realidade não está ocorrendo… É incontrolada como um sonho… Por isso… compreendemos profundamente… Primeiro… não somos o fazedor… nunca fazemos nada… Para isso teria que haver todo o projeto… e ter sido o projeto nosso… Como se antes de ver um sonho fizesse todo o projeto… de modo que o sonho se adaptasse minuciosamente a cada um dos desígnios… Mas isso nunca ocorre… O sonho não tem fazedor… não somos o fazedor… E embora no sonho pareçamos fazer… a realidade é que não somos o fazedor… Há essa subjugação… que faz sentir como se fizéssemos… E há uma subjugação ainda mais sutil… que é a de sentir como se pudéssemos… como se houvesse algum poder… em nós…
Tudo isso deve ser detido… E para detê-lo… a maneira é… observar… a sensação de si mesmo… Observar apenas a ela… Não brigar com os pensamentos… não expulsá-los… Observar apenas a sensação de si mesmo… Os pensamentos sozinhos se reabsorvem… Ninguém lhes presta atenção… então desaparecem… Ninguém os magnifica com sua atenção… então desaparecem… E com os pensamentos desaparecem as imagens… as sugestões… as propensões… tudo…
Não parece uma atividade difícil… não é… O primeiro passo trará o segundo… e o segundo o terceiro… Os pensamentos parecem ter a força que têm… apenas devido ao poder de sugestão… E o poder de sugestão é que lhes prestamos atenção… Ligamo-nos a eles… ligamos a eles nossa segurança… A mente sempre diz… “Se eu tivesse… se eu tivesse… Se me dessem”… Exterioriza-se… até limites insuspeitados… Essa exteriorização da mente… é como perder-se em um deserto onde não há água… buscando água e água e água… Por isso a mente tem que ser trazida… a sua origem… E a maneira é… presenciar… prestar atenção à sensação de si mesmo… onde a mente tem sua origem… Aí se acalma… se aquieta… e se esquece…
Não havia nem deserto onde se estava perdido… nem água alguma para buscar… Esquece-se… como se esquece tudo quando vem o sono profundo… E esquece-se desperto… tudo… Esquece-se o que se buscava… ao dizer que buscava a si mesmo é uma coisa grande… Uma coisa a experimentar… Uma coisa que tem que ser chamativamente… chamativa… esplendorosa… Esquece-se… Esquecido o experimentador esquece-se a experiência…
Quem busca ver… coisas grandiosas no sono profundo?… Alguém se propõe aí que é um ignorante?… Todos sabemos a resposta… bem clara… Que experiência supera o sono profundo?… Finalmente todas as experiências e seu experimentador… se reabsorvem no sono profundo… Ele prevalece… e ninguém nega seu ser no sono profundo… Ninguém diz no sono profundo… “Eu não era”… Repito… Que experiência supera o sono profundo?…
Somos um no sono profundo e outro diferente agora?… Somos um quando o estado nascimento não estava e outro diferente agora?… Estado nascimento… estado de experiência… não estava… Vê-se… e vê a si mesmo sem ele… como se vê no sono profundo sem esta vigília… agora… Mergulhado no mar não se pode falar… Mergulhado no sono profundo não se pode expressar… o que é o sono profundo… Mas agora o mesmo que estava em sono profundo… está desperto… e pode dizer… o que o sono profundo é… porque está vendo… E embora não possa ser descrito… sabe… sabe-se…
Igual isso mesmo… quando este estado nascimento não estava… Mergulhado na unidade… não se podia falar… Agora que a vigília está… pode-se ver perfeitamente… este estado nascimento não estava… e ver-se sem ele…
Algum sábio chamou o sexto dedo da mão… ao estado nascimento… A mão tem apenas cinco dedos… O sexto é supérfluo e inexistente…
Muito bem… É completamente verídico…
Presencia-se a sensação de si mesmo… Os pensamentos se difuminam… não podem impor-se… Tudo se dissolve… Muito bem… Assim o tempo que for necessário… Muito bem…
(Turno de pedidos e perguntas)
Ativarnashramî: O que diz Interlocutor (A)? Dissolveram-se os pensamentos? Dissolvem-se? Olha esse fogo que tens aí, tranquilamente. Esse fogo. Desaparece Interlocutor (A)? Desaparece? E Isso segue… tal qual.
Há uma preparação intelectual, lêem-se as proposições, mas precisa-se comê-lo, precisa-se tocá-lo. E Isso é um, um consigo mesmo.
Ninguém te dá o Ser. O Ser o tens. És tu. Todo o demais são agregados. Têm sua origem aí, e acabam aí. Mas Isso não. Isso prevalece. Repara se prevalece, que está no sono profundo, certo? Quando se está mergulhado no mar não se fala (Ativarnashramî imita a tentativa de falar debaixo d'água), é quando sai à superfície. A vigília é como sair à superfície… uma bobagem, tira do sono profundo, ninguém repara nele.
Por que há sofrimento na vigília? Porque há dano, porque há dualidade. O que é dualidade? Não há nenhuma dualidade no sono profundo, só na vigília, e no sonho com sonhos. Sobrevive-se à dualidade. É-se antes da dualidade. O que é a dualidade, então, se não havia nada? Não pode ser mais que um pensamento. Como tem esse poder o pensamento? Pois repara se tem esse poder, que se vê sonhos, e estão feitos de pensamento. Ou há algo mais em um sonho? Não te abandona, o sonho nunca sai de ti. Nem sequer ocupa um lugar. Nem te diminui, nem consome parte alguma de ti. E no entanto, um sonho é… todo o mundo o vê. Quando se vê um sonho, diz-se: “Olha, isto é… Pois, repara, estava aterrorizado. Pois repara que felicidade, pois repara”. Desperta-se, pode estar tocado um certo tempo, depende da intensidade, depois esquece completamente, porque sabe que não, que não, que aquilo não tem realidade. Como dizer que aquilo não tem realidade? É que se sabe, diz-se… a melhor maneira de dizê-lo, qual é?: um sonho. E já disse tudo. “Vi um sonho”.
Pois a vigília é igual. Nem espaço, nem tempo, nem corpo, nem gente, nem nada, de nada, de nada, de nada. Um sonho. Como vê-lo? Atendendo à sensação de si mesmo; os pensamentos, isso é como quando há um aspirador, que põe aí uma nuvem de fumaça e o aspirador faz “uuuhh” (imitando o som de sucção do aspirador), os pensamentos, tudo aquilo que parecia tão… faz “uuuhh”, retornam à sensação de si mesmo, é algo que se sente palpavelmente, que no estado de sono profundo já não se sente; e que aqui, também, ao princípio se sente palpavelmente, recolhem-se os pensamentos, a sensação de si mesmo já não se sente, e o seguinte passo é que adormecemos profundamente. E desapareceu tudo. E o seguinte passo qual é? Não há esta parte. Não? Reconhece-se assim, um pouco mais claro?
Por isso, mencionar com o intelecto, tirar conclusões com o intelecto é útil e muito bom, identificar, sobretudo por si mesmo, as coisas, é útil, e muito bom, mas não é final. Final é sentar-se a meditar. E observar que os pensamentos, ainda que seja a compreensão mais excelsa, sobram por completo.
Como dizíamos o outro dia… nem sei, nem compreendo, nem faço, nem posso. Esse é o “eu” da vigília. Todo o contrário da ideia que se tem normalmente. “Não; eu compreendo, eu sei, eu faço, eu posso”. Esse, esse ego de vigília, quando se presta atenção à sensação de ser que é sua mãe, sua raiz, reabsorve-se, esquece-se. Esquece-se, de seus grandes êxitos, e de seus grandes fracassos, e de tudo. Bendito seja Deus.
Como dizia Sri Ranjit, não, Sri Nisargadatta Maharaj: “A natureza real tem a morte como um grande socorro para esquecer-se de tudo”. Porque se não… seria impossível, isto é, se não há esquecimento é uma coisa absolutamente insuportável. Se não há esquecimento não há sono profundo. Menos mal que o sono profundo não tem contemplações. (Ativarnashramî diz entre risos), trata por igual aos reis e aos mendigos. Muito bem. Por igual. Que justiça!, que justiça verdadeira!
Antigamente nas meditações saía: “A justiça divina é sempre justa. Ela mesma recompensa a todos”. É evidente, a todo o mundo vem o sono profundo, acaba todos os dias e dá uma justiça completa. Não é preciso que vá a nenhum céu nem a nenhuma parte, é uma coisa… o mais barato do mercado. Muito bem. O mais barato do mercado.
Há uma prece no Islã que diz… ao despertar, quando se desperta o primeiro que se diz é: “Obrigado, Deus meu, porque da morte nos devolveste à vida”. Pelo sono profundo. E também no Islã dizem: “E Deus no sono profundo chama a todas as almas. (Ri-se). Quando chega o sono profundo chama a todas, e dissolve a todas em Si”. É outra maneira de dizer. Primeiro há que compreendê-lo e logo, depois, reconhecê-lo. É verdade, se isso é uma coisa…
Antes que chegue o sono profundo desapareceu Deus e o servo. Os dois.
O que dizem nossos visitantes? O que me dizes? Já não me lembro de teu nome.
Interlocutor: Interlocutor (B).
Ativarnashramî: Interlocutor (B), como esteve tua escuta?
Interlocutor (B): Muito bem.
Ativarnashramî: Alegro-me muito.
Interlocutor (B): Durou pouco.
Ativarnashramî: Durou pouco? É suficiente, é suficiente. Viste?, tomar-se tanto viagem para tão pouco, certo? (Risos).
Interlocutor (B): Não é pouco.
Ativarnashramî: Não, não é pouco, não.
Se Isso és tu. Onde quer que tu estejas Isso está contigo, és tu. Não está aqui, e ali na vila não. Se és tu, compreendes?
Interlocutor (B): Sim.
Ativarnashramî: Isso dizia Sri Ramana a alguém que se ia dali, dizem-lhe: “Diz esta senhora inglesa que se vai à Inglaterra e quer tua bênção, tua graça, porque ali não te vai poder ver”. E diz: “Algum peixe saiu alguma vez do mar? Por longe que se vá, não poderá sair nunca de minha presença”.
Interlocutor (B): É nos momentos em que se faz a palavra, e contempla, nesses momentos em que a realidade profunda tem lugar.
Ativarnashramî: Sempre tem lugar, sempre. Isso é o único que não cessa nunca. Cessa o que alterna. É o domínio dos pensamentos e da vigília. A Realidade não se… não se move. É essa Graça da qual não podes sair, compreendes? Sim, por isso, o silêncio; Sri Ramana diz: “O silêncio é o mais… é o mais profundo dos ensinamentos. Porque o silêncio, de teu próprio silêncio, emana teu próprio conhecimento. Não está nos livros”. E tem razão, tem razão.
(Com voz sussurrante). A pouco, soube-me a pouco… Que simpático!… Que va!, que va!
Há que ter em conta que Sri Ramana também diz, e é certo, que o que ele chama mente, o mundo do pensamento, é como uma vaca que está acostumada a pastar por campos… totalmente livre. E então, voltá-la para dentro não é nada simples. Normalmente isso… as propensões, as inclinações, que ele chama vasanas, em sânscrito; as propensões, o que se propende. Isso é…, ou seja, isso não é uma vaca, é um touro, fornido. Ou seja não, isso não se controla mais que se tens a graça de sentar-se, prestar atenção à sensação de ti mesmo, desinibido, e com a convicção de que esse touro desbocado não te leva a nenhuma parte. Isto é, que ainda que realmente obtenhas o que queres, não vais obter nada. Então, quando isso se volta para a contemplação da sensação de si mesmo, desaparece. Bom, isso é o sono profundo em vigília. Porque o sono profundo desaparece de todas, todas; nem touro nem nada de nada. Mas na vigília está-se muitas vezes totalmente pasmado da força de algumas coisas, que dizes: “Como me faço eu cargo disto?; é que… Não há nenhum fazer-se cargo, nunca se faz nada, é totalmente inocente. É como se dizes, bom, estás sonhando e dizes, bom: “E este sonho, como o sustento eu agora?”. Explico-me? Um pouco, não?
Eu dizia antes, quando tinha que meditar, e quando alguma compreensão me tinha satisfeito, deitava-me. E já ficava completamente desinibido, e entorpecido… esquece-se-me tudo, sem estar dormido. Mas há outra, que é mais específica, na qual não é necessário compreender nada, senão só presenciar a sensação. E vê-se que todos os pensamentos desaparecem. Os de compreensão e os de não compreensão. Os molestos e os agradáveis, todos.
Interlocutor (B): Mas é curioso como pode haver algumas vezes essa operação intelectiva ante estímulos externos e internos…
Ativarnashramî: Qual? É que não entendo, explica-te.
Interlocutor: Sim. Como o pensamento, é curioso, como se move e tudo o que gera. E bom, isso. Quando se vê que isso em realidade… é difícil, sim se acalma, mas…
Ativarnashramî: Logo retorna, por isso há que voltar. O difícil não é compreender quem é um, o difícil é compreender-se sempre. Quando o pensamento está, a vigília, quando se está acossado, quando está uma propensão que é muito forte, leva-te, não é que seja difícil então… senão que é o momento em que se tem que pôr a sentar-se e presenciar. O que sucede que me esqueço? Que sim, por muito forte que pareça o touro… é de papel. Senta-se aí um rato e, bom, isso na medida em que devém um hábito, por suposto todos os pensamentos devêm cada vez mais fracos até que desaparecem. E não se lhes volta a dar realidade nunca. Disso estou completamente convencido.
Todos, todos, todos os pensamentos são limitativos. São expressão de qualidades, de atributos que vêm da identificação ao corpo. “Eu poderia”, “a mim me gostaria”, “eu quereria”, “é que repara”, “é que”… todos, todos. Diz: “Eu sou Isso”. (Ri-se). “Eu sou a Realidade”, “Tudo é Um”, sempre se mantém aí a dualidade, está-se dizendo-o. E está dizendo que Isso é… não sei se me explico. A Realidade é que não se sente a não dualidade. A Realidade é que não se sente. O sono profundo é infalível e, no entanto, não podes negar que és. Como é o sono profundo, escuro ou luminoso? Não se aplica, não se aplica. Que experiência há nele de grandioso? Não se aplica. E no entanto, não se pode dizer que não sou. Muito bem.
