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Continente e Conteúdo

Bakhtiar, 1976

Cada caminho espiritual enfatiza um aspecto particular da Verdade. O Cristianismo, por exemplo, é essencialmente um caminho de amor; o cristão está ligado a Cristo através do amor. Para os Sioux, por outro lado, o elemento mais importante é a renúncia de si mesmo. O Islã enfatiza o conhecimento. O Sufismo começa com o caminho do conhecimento, mas o leva à sua forma mais elevada: o conhecimento que ilumina.

O caminho para a iluminação é frequentemente descrito como consistindo em três realizações: o Conhecimento da Certeza, o Olho da Certeza e a Verdade da Certeza. A distinção pode ser compreendida tomando o fogo como símbolo da Verdade. Alcançar o Conhecimento da Certeza é conhecer o fogo após tê-lo ouvido descrito. Alcançar o Olho da Certeza é conhecer o fogo ao ver a luz de suas chamas. A realização mais elevada, a Verdade da Certeza, pertence àqueles que conhecem o fogo por terem sido consumidos por ele.

 

O Conhecimento da Certeza é obtido ao conhecer a doutrina do caminho espiritual. Isso forma o corpo ou recipiente do Sufismo. O Olho da Certeza consiste nos métodos e práticas espirituais contidos no corpo do Sufismo, que levam à Verdade da Certeza, o conhecimento que ilumina. A relação entre as três realizações pode ser visualizada como a da circunferência, do raio e do centro de um círculo.

Aquele que alcança o Conhecimento da Certeza está na posição mostrada no primeiro diagrama: o aspecto do Manifesto, no qual se relaciona com o mundo exterior através do universo, visto na cosmologia como a Alma Universal, até seus limites externos, onde é englobado pelo Espírito Universal. Aquele que alcança a Verdade da Certeza está no aspecto do Oculto, no qual se relaciona internamente do corpo ou forma através da alma até o centro mais íntimo. O movimento é através do contido (que existe entre a circunferência e o centro) até o Espírito ou Segredo (sirr), o centro da consciência que é o ponto de contato entre um indivíduo e o Princípio Divino.

A obtenção da doutrina é, portanto, um processo de aprendizagem centrífugo, para fora da forma humana individual; a obtenção do método é um processo de aprendizagem centrípeto que deve ser realmente experienciado para que o conhecimento adquirido através da doutrina possa iluminar. Através das práticas espirituais, obtém-se a contemplação concentrativa e, assim, descobre-se o Segredo microcósmico interior.

Ao incorporar esses dois diagramas em um, podemos descrever o Sufismo. A circunferência mais externa é como a Lei do Islã, a Shari'a. Toda a doutrina Sufi origina-se implícita e/ou explicitamente daqui. A necessidade da Lei Divina é frequentemente comparada à Arca de Noé, que se deve construir com tábuas e cavilhas. As tábuas são “conhecimentos” e as cavilhas são ações. Sem a Arca, afoga-se no dilúvio da materialidade, como o filho de Noé, que recusou a Lei trazida por seu pai.

 

Ao permanecer na circunferência do Sufismo, relaciona-se em uma direção externa através do mundo manifesto. O movimento para dentro ocorre através dos métodos espirituais que levam ao centro, ao Segredo ou Espírito, que reside em um estado de potencialidade em todas as coisas. Através de um despertar para a consciência do significado interior das práticas e ritos religiosos, torna-se consciente daquilo que está oculto, pois o Espírito existe, estejamos ou não conscientes dele; se permanecermos inconscientes, ele permanece passivo e inativo, apenas uma alusão à potencialidade que contemos.

A doutrina e o método do Sufismo baseiam-se em dois conceitos. Originários do Alcorão, são os dois testemunhos pelos quais alguém se declara muçulmano:

La ilaha illa'Llah Não há divindade além de Deus Muhammad rasulu'Llah Muhammad é o Mensageiro de Deus

“Não há divindade além de Deus” e “Muhammad é o Mensageiro de Deus”. O primeiro expressa o conceito da Unidade do Ser, que aniquila toda multiplicidade, todas as entidades separadas. É ver, em certo sentido, o denominador comum em todas as multiplicidades de formas, ver a “unidade na multiplicidade” de flor, árvore e pássaro; ver que todos os círculos têm um centro, independentemente do tamanho. A realização desse conceito aniquila a multiplicidade, de modo que a unidade subsiste.

O segundo testemunho expressa o conceito do Protótipo Universal (mais frequentemente traduzido como Homem Universal). Através desse conceito, chega-se a ver a “multiplicidade na unidade”; a reconhecer o centro do círculo como uma unidade que contém todas as multiplicidades e acidentes possíveis no mundo material; a saber que a multiplicidade subsiste apenas porque a unidade interior subsiste.

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