Grande Obra e Grande Síntese (Bonardel)
Bonardel1993
A busca de Deus não é senão uma forma espiritual da gravitação universal (…) a matéria e o espírito não são, no fundo, senão dois estados diferentes de uma mesma substância ou antes de uma mesma energia eterna.
Sem dúvida, não há ilustração mais convincente das confusões geradas pela nostalgia unitária do que o estranho híbrido que se desenvolveu durante a segunda metade do século XIX; aparecendo ora como hermetismo, ora como ocultismo, frequentemente como teosofia, sem que se saiba sempre muito bem se cada um desses avatares trabalha por conta própria ou se todos operam, conjunta e alquimicamente, em vista da “Grande Síntese” supostamente capaz de reconciliar ciências e Tradição após mergulhar novamente nas fontes da originária e universal Sabedoria: “São necessários os fins de civilização para se ter o gosto pelas origens”, observará R. Schwab, renovando assim a constatação feita por A. J. Festugière a respeito do hermetismo greco-alexandrino. Considerada como “uma Religião da Ciência e uma Ciência religiosa”, a alquimia volta a ser objeto das esperanças mais loucas, o álibi vindo das profundezas dos tempos para legitimar uma espécie de materialismo espiritual sobre o qual parece muito pertinente o juízo emitido por R. Amadou sobre o ocultismo: “Sincretismo apressado e superficial” se avaliarmos seu alcance filosófico e espiritual e, ao mesmo tempo, “generosa e santa reação da livre pesquisa contra os excessos do dogmatismo do ensino positivista e do materialismo cientificista”. Mas que os “seguidores de Hermes” tenham então podido figurar como “cavaleiros do símbolo” (F. Jollivet-Castelot) mostra que uma esperança — em si nem pior nem melhor que outra — vai se ampliar até se tornar uma retórica da diluição e da mistura, avatar decadente e muitas vezes complacente do solve et coagula alquímico.
O reaparecimento da figura de Hermes insere-se no duplo contexto de uma redescoberta do Oriente e de uma reavaliação do cristianismo, seja em benefício de uma espécie de politeísmo pagão, seja de um “tradicionalismo” sincretista: “A solução cristã prevaleceu e fez esquecer as outras, que na maioria se afundaram no naufrágio do passado. Quando reencontramos um de seus destroços, reconheçamos a obra de um concorrente vencido e não de um plagiador”, conclui L. Ménard, tradutor e comentador do Poimandrès de Hermes Trismegisto. Por outro lado, a tradução e a difusão dos textos antigos — egípcios e sânscritos sobretudo — parecem dar corpo à antiga nostalgia de uma Tradição primordial, enterrada mas sempre potencialmente regeneradora. O movimento de retorno à Ásia iniciado por Hölderlin através da redescoberta de uma Grécia mítica vai assim se amplificar com a onda orientalista e constituir “uma resposta providencial dada subitamente pela sorte dos pesquisadores aos longos apelos dos românticos alemães em direção ao Oriente”. Ora, se o oculto-hermetismo fez então eclodir, de forma muitas vezes caricatural, inúmeras ambiguidades já latentes no “quimismo” romântico, ele também contribuiu para evidenciar os impasses culturais de uma racionalidade cujos triunfos científicos não conseguem mais esconder a incerteza quanto à solidez de seus fundamentos espirituais. Desespero diante do qual o entusiasmo dos neo-alquimistas, convencidos de que o espírito filantrópico da Grande Obra poderia desempenhar um papel corretor e dinamizador de panaceia social, não parece, no entanto, ter ultrapassado o estágio da utopia, convidando, ao contrário, a questionar se, havendo “alquimia” no encontro das tradições e das culturas, ela reside menos na polidimensionalidade assim redescoberta do que na presença de um cadinho capaz de realizar essa forma particular de “síntese” chamada transmutação. Ora — Nietzsche o mostrará melhor do que ninguém — todo “caos cosmopolita de afetos e intelectos” de inspiração alexandrina geralmente prospera em terrenos “decadentes” tornados incapazes de desempenhar esse papel, provocando, assim, um fenômeno de autoflagelação, paródia vampírica da circulação ourobórica constitutiva da Grande Obra.
Nesse contexto, a reabilitação da figura lendária de Hermes anda de mãos dadas com uma valorização do papel universal da mediação. Redescobrindo, de certa forma, o espírito essencial da “Revelação hermética”, tende-se, no entanto, a dissolver sua especificidade na muito vaga “Síntese oculta” (Hermes figurando entre outros “grandes iniciados”) e, em nome de uma lógica igualmente relaxada, a supor que toda mediação equivale imediatamente a uma transmutação. Assim, todas as figuras da ligação, da transição, serão preconizadas como antídotos às formas analíticas de fragmentação atribuídas ao racionalismo: “Os livros de Hermes Trismegisto são um elo entre os dogmas do passado e os do futuro, e é por isso que eles se ligam a questões vivas e atuais”, conclui L. Ménard, a quem se deve esta surpreendente peroração em louvor, ambíguo, de uma Arte eminentemente transicional: Na história das ideias como na história natural, não há séries lineares, mas escalas divergentes, que se unem por seus degraus inferiores. Os livros de Hermes Trismegisto não podem sustentar a comparação nem com a religião de Homero nem com a religião cristã, mas eles fazem compreender como o mundo pôde passar de uma a outra. Neles, as crenças que nascem e as crenças que morrem se encontram e se dão as mãos. Era justo que eles fossem colocados sob o patrocínio do Deus das transições e das trocas, que explica, apazigua e reconcilia; do condutor das almas, que abre as portas do nascimento e da morte; do Deus crepuscular, cuja vara de ouro brilha à tarde no poente para adormecer no sono eterno as raças fatigadas, e de manhã no oriente para fazer entrar as novas gerações na esfera agitada da vida.
