Acabamos de ver até que ponto, segundo Zhuangzi, resulta fútil e absurdo o esquema corrente de pensamento tipificado pelo debate sobre o “certo” e o “errado”. Qual é a origem dessas vãs demonstrações? Zhuangzi acredita que é preciso buscá-la na equivocada convicção do homem em relação a si mesmo, ou seja, a crença de que possui (ou é) um “ego”, uma entidade autossubsistente dotada de absoluta independência ontológica. O homem tende a esquecer que o “ego” que julga tão independente e absoluto é, na realidade, algo essencialmente relativo e dependente. Relativo a quê? Relativo a “ti”, a “eles” e a tudo o que existe ao seu redor. Dependente de quê? Dependente de Algo superior a si mesmo, Algo que Zhuangzi chama de Criador ou, mais literalmente, o Fazedor de coisas. Zhuangzi descreve essa situação através da parábola da “Sombra e da Penumbra”: Certa vez, a Penumbra disse à Sombra: “Já te vi caminhar, às vezes, e depois permanecer imóvel. Em algumas ocasiões, vejo-te sentada e, depois, em pé. Por que és tão volúvel e instável?”

A Sombra respondeu: “Parece-me que (ao agir assim) dependo simplesmente de algo (ou seja, o corpo). Mas aquilo de que dependo parece agir dependendo de outra coisa (ou seja, o Criador). Assim, todas as minhas atividades, em sua dependência, assemelham-se aos movimentos das escamas de uma serpente ou às asas de uma cigarra.

Como posso saber por que ajo assim e não de outra maneira?” Com um único golpe, Zhuangzi priva o “ego” de sua aparente autossubsistência e suficiência. No entanto, sua visão contraria a convicção do homem sobre si mesmo, pois, segundo se costuma acreditar, o “ego” é a própria base e essência da existência humana, sem a qual ele perderia sua personalidade, sua unidade e não seria nada. O “ego” é o ponto de coordenação, o ponto de síntese no qual todos os elementos díspares da personalidade de um homem, sejam físicos ou mentais, se unem. Zhuangzi dá ao “ego”, assim entendido, o nome de “mente”.