Corbin (CETC:53-55) – Geografia Imaginal
Os estudos geográficos desenvolveram nos dias atuais uma disciplina original designada como geografia psicológica: ela busca discernir os fatores psíquicos que atuam na conformação dada a uma paisagem. A pressuposição fenomenológica implícita em tal pesquisa é que está entre as funções essenciais da alma (psyche) projetar uma natureza, uma physis; e reciprocamente, cada physis revela o modo de atividade psicoespiritual que a coloca em ação. Nesse sentido, as categorias do sagrado “que possui a alma” são reconhecíveis na paisagem que ela cria ao seu redor e na qual configura seu habitat, seja projetando a visão em uma iconografia ideal, seja tentando inscrever e modelar seus traços no próprio solo terrestre. Assim, as hierofanias de nossa geografia visionária apresentam tantos casos privilegiados de psicogeografia, ou mais exatamente, de geografia imaginal. Limitar-nos-emos a indicar brevemente aqui dois exemplos.
Um primeiro exemplo é fornecido pela iconografia do que se poderia chamar “paisagem de Xvarnah”. Como figurar uma paisagem terrestre onde tudo é transfigurado por essa Luz-da-Glória que a alma ali projeta? Quando a alma mazdeísta percebe essa Energia de luz sacral como sendo o poder que faz brotar as fontes, germinar as plantas, navegar as nuvens, nascer os humanos, iluminar sua inteligência, investi-los de uma força sobrenatural vitoriosa e consagrá-los como seres de luz ao revesti-los de uma dignidade hierática – tudo isso não pode ser objeto de uma pintura representativa, mas de uma arte simbólica por excelência. Como esplendor terrestre da divindade, o Xvarnah imaginado pela alma transfigura a Terra em uma Terra celeste, paisagem gloriosa que simboliza com a paisagem paradisíaca do além. Era necessário, portanto, composições reunindo todos os elementos hierofânicos dessa Glória, transmutando-os em símbolos puros de uma natureza transfigurada.
A melhor ilustração que talvez tenha chegado até nós encontra-se em um manuscrito tardio, até agora considerado único em seu gênero, cujas pinturas em página inteira e cores fantásticas foram executadas no sul da Pérsia, em Shiraz, no final do século XIV (1398 d.C.). E aqui, sem mesmo levantar questões irritantes de influência material ou causalidade histórica, seria apropriado evocar as paisagens de certos mosaicos bizantinos.
Um segundo exemplo da imaginação da Terra celeste pode ser observado nessa botânica sagrada que conecta o cultivo de flores e a arte floral com a liturgia. É uma característica marcante da angelologia mazdeísta atribuir a cada um de seus Arcanjos e Anjos uma flor como emblema, como para indicar que, se se deseja contemplar mentalmente cada uma dessas Figuras celestes e tornar-se receptáculo de suas Energias, o melhor instrumento de meditação é de fato essa flor que é seu símbolo respectivo. A cada um dos Arcanjos ou Anjos, aos quais é consagrado respectivamente um dia do mês e que lhe dá seu nome próprio, corresponde uma flor. Para Ohrmazd, é a murta. Para Vohuman, o jasmim branco. Para Artavahisht, a manjerona. Para Shatrîvar, a planta real (o “manjericão”). Para Spandarmat, o almíscar (o manjericão-doce). Para Khordât, o lírio. Para Amertât, essa flor amarela perfumada que em sânscrito se chama “campak”.
Depois dos Amahraspands, eis para os Anjos femininos mais particularmente em relação com a alma, o Xvarnah e a Terra: Ardvî Sûrâ tem como emblema a íris; Daena, a rosa de cem pétalas; Ashi Vanuhi (Ashisang), sua irmã, todas as espécies de flores silvestres (ou ainda o crisântemo, buphthalmus); Arshtât, o haoma branco; Zamyât, o açafrão, etc. Essas flores desempenharam um grande papel nos antigos usos litúrgicos zoroastrianos; para cada Anjo cuja liturgia era celebrada separadamente, certas flores eram utilizadas. Os antigos persas também tiveram uma linguagem das flores que era uma linguagem sagrada. Além disso, esse simbolismo delicado e sutil oferece combinações ilimitadas à imaginação litúrgica, bem como aos rituais de meditação. Por sua vez, a arte dos jardins e o cultivo de um jardim assumem assim o sentido de uma liturgia e de uma realização mental; as flores desempenham o papel da matéria prima para a meditação alquímica. Trata-se de recompor mentalmente o Paraíso, de se colocar na companhia dos seres celestes; a contemplação das flores que são seus emblemas provoca reações psíquicas, que transmutam as formas contempladas em energias correspondentes; e essas energias psíquicas se resolvem finalmente em estados de consciência, em estados de visão mental onde transparecem as Figuras celestes.
Vê-se que, em ambos os casos aqui analisados, a intenção e o esforço da alma tendem a configurar e realizar a Terra celeste, para permitir nela a epifania dos seres de luz. Trata-se de alcançar a Terra das visões, in medio mundi, onde os eventos reais consistem nas próprias visões. E tais são precisamente os eventos descritos nos Relatos concernentes à investidura profética de Zaratustra. Com uma indicação de sublime simplicidade, o Zaratusht-Nameh (“Livro de Zoroastro”, aqui abreviado = Z.N.) no-lo indica: “Quando Zaratustra completou trinta anos, ele teve o desejo de Eran-Vej e partiu com alguns companheiros, homens e mulheres.” Ter o desejo de Eran-Vej é desejar a Terra das visões, é alcançar o centro do mundo, a Terra celeste onde ocorre o encontro com os Santos Imortais. De fato, os episódios que marcam a progressão e a entrada de Zaratustra e de seus companheiros em Eran-Vej, o momento do tempo em que essa entrada se realiza, não são nem eventos externos nem datas pertencentes à crônica: são episódios e indicações hierofânicas.
