corbin:corbin-ibn-arabi-o-deus-patetico

Corbin (Ibn Arabi) – O "Deus Patético"

As premissas da teologia negativa estão tão longe de excluir por elas mesmas toda situação dialógica, que elas importam ao contrário para dela fundar a autenticidade. Assim se dá com a gnose do Islã, cujas premissas têm mais de um traço comum com aquelas da Gnose em geral, aquelas que são também as mais irritantes para toda dogmática ocupada em definir racionalmente. A estrutura é constante: há «O que origina»; além do ser «que é», o «Deus que não é» (ouk on theos de Basilides), quer dizer o Theos agnostos, o Deus inconhecível e não predicável; e há o Deus revelado, seu Noûs que pensa e obra, que suporta os atributos divinos, e é capaz de relação. Ora, não é em buscando um compromisso em benefício de uma ou de outra noção, mas em mantendo firmemente a simultaneidade da visão, que se chega a falar de um Deus patético, não como uma reivindicação teórica contra as teologias positivas preocupadas com o dogma da imutabilidade divina, mas como uma progressão interna efetuando experimentalmente a passagem do Abismo e do Silêncio sobre-essenciais a Figuras e enunciados positivamente fundados.

A gnose ismaelita tem aqui mais de um traço em comum com a doutrina de Ibn Arabi. A etimologia que por vezes foi proposta para o nome divino Al-Lâh projeta um clarão no caminho que tentamos percorrer. Apesar das reticências da gramática árabe sobre este ponto, ela faz derivar a palavra ilâh da raiz wlh, que comporta o sentido de estar triste, abatido de tristeza, suspirar por, fugir temerosamente em direção a… Esta etimologia que confere ao Nome divino (ilâh = wilâh) o sentido de “tristeza”, nossos pensadores ismaelitas a confirmam por outra, mais estranha talvez, pois desta vez a gramática perde seus direitos; no entanto, a impressão de arbitrariedade desaparece se se considerar a preocupação imperiosa que aqui está em obra.

Esta etimologia consiste em considerar a palavra olhânîya (formada sobre a raiz 'lh, e significando a divindade, como as palavras ilâha, olûha, olûhîya) à maneira de um ideograma, no qual, introduzindo um simples pequeno sinal ortográfico (um tashdîd que dobra o n), pode-se ler al-hân(n)îya. Obtém-se então um nome abstrato marcando o estado, o modo de ser, formado sobre o nomen agentis da raiz hnn (= hnn), e que tem o sentido de desejar, suspirar, experimentar compaixão.

Daí o nome próprio da divindade, o nome que exprime seu fundo íntimo e oculto, não é o Infinito e o Todo-Poderoso de nossas teodiceias racionais; é Tristeza e Nostalgia. Nada pode testemunhar melhor o sentimento de um “Deus patético”, não menos autêntico do que aquele que foi destacado, como se recordou anteriormente, por uma fenomenologia da religião profética. Ora, estamos aqui no coração de uma gnose mística, e é por isso que recusamos nos deixar encerrar na oposição que nos havia sido mostrada.

Para a teosofia ismaelita, a divindade suprema não pode nem ser conhecida, nem mesmo ser nomeada como “Deus”; Al-Lâh é um Nome que na verdade é dado ao Originado primordial, ao Arcanjo Muito-Próximo e sacrossanto, ao Prôtoktistos ou Arcanjo-Logos. Este Nome exprime então a tristeza, a nostalgia aspirando eternamente a conhecer o Princípio que lhe dá eternamente origem: nostalgia do Deus revelado, isto é, revelado para o homem, aspirando a reencontrar-se a si mesmo além de seu ser revelado. Mistério intradivino inexprimível: apenas uma referência alusiva nos é possível.

No entanto, esta aspiração do Anjo, sendo a do Deus revelado aspirando a conhecer o Deus que ele revela, nossa meditação pode percebê-la (pois esta revelação nunca é senão para nós e por nós) como sendo, em sua Primeira e Suprema Criatura, a forma mesma pela qual e na qual se revela a Tristeza do Theos agnostos aspirando a ser conhecido por ela e nela. O mistério intradivino permanece não menos inviolado; não podemos saber dele senão o que ele revela de si mesmo em nós mesmos.

No entanto, com a ação de um conhecimento sempre inacabado, respondendo a uma paixão de ser conhecido sempre insatisfeita, apreendemos um aspecto que pode também nos situar o ponto de partida da teosofia pessoal de Ibn Arabi.

/home/mccastro/public_html/speculum/data/pages/corbin/corbin-ibn-arabi-o-deus-patetico.txt · Last modified: by 127.0.0.1