User Tools

Site Tools


corbin:corbin-kaaba

Corbin (Ibn Arabi) – Ao redor da Caaba Mística

Posta as premissas, destacados estes contextos, que grau e que forma de experiência religiosa anunciam a aparição e a visualização de uma Imagem como aquela de nosso hadith? Lembremos aqui de novo a visão do Templo na «Presença Imaginativa» acima, sua significação, sua função, e sua constância em todos os graus espirituais: é inteiramente fechado; só uma coluna emerge da muralha, coluna que é a intérprete, a hermeneuta, entre o Impenetrável e os místicos visionários. Ela é homologada à Pedra Negra guardada no Templo material da Caaba. Ora a Pedra Negra é a designação do «Polo místico» e de cada manifestação do Polo. A intérprete do Impenetrável, a hermeneuta do Templo, é portanto o Polo (Qotb), quer dizer ainda o Espírito Santo (Ruh al-Qods), o Espírito maometano (Ruh mohammadi), identificado também por vezes com o Anjo Gabriel, o que desvela assim o segredo das Revelações proféticas, posto que, Ibn Arabi nos ensina, se o místico visualiza uma pessoa projetando nele os altos conhecimentos que não pôde alcançar, é de sua própria hecceidade eterna, seu Polo celeste, seu «Anjo», que tem assim a visão.

Assim se declara e se revela o ser que é o Si-mesmo transcendente do místico, seu Alter Ego divino, e o místico não tem hesitação em reconhecê-lo, pois ao longo de sua busca, quando enfrentava o mistério do Ser Divino, ouvira este imperativo: “Olha para o Anjo que está contigo, e que realiza suas circumambulações ao teu lado.” Aprendeu então que a Ka'ba mística é o coração do ser. Disseram-lhe: “O Templo que Me contém é teu coração.” O mistério da Essência divina não é outro senão o Templo do coração, e é ao redor do coração que o peregrino espiritual processiona.

“Realiza tuas circumambulações seguindo meus passos”, ordena agora o Jovem Celeste. Então ouvimos um diálogo inaudito cujo objeto pareceria a princípio desafiar toda possibilidade de expressão humana. Como traduzir o que podem dizer um ao outro dois seres que são um no outro: o “Anjo” que é o eu divino, e seu outro eu “enviado” à terra, quando se reencontram no mundo da “Presença Imaginativa”? O relato que o visionário faz a seu confidente por ordem deste é o relato de sua Busca, ou seja, em resumo, de qual experiência interior brotou a intuição fundamental da teosofia de Ibn Arabi. Esta Busca é o que representam as circumambulações ao redor do Templo do “coração”, isto é, ao redor do mistério da Essência divina. Mas o visionário já não é o eu solitário, entregue à sua única dimensão terrena diante da divindade inacessível, pois ao encontrar o ser no qual esta divindade é seu companheiro, conhece a si mesmo como sendo o segredo dessa divindade (o sirr al-rububiyya), e visto que é seu “casal”, seu ambos-juntos, que realiza a processionária circular: sete vezes, os sete Atributos divinos de perfeição com os quais o místico é investido sucessivamente.

O ritual se torna então como o paroxismo desta “Oração de Deus” que é a própria teofania, ou seja, revelação do Ser Divino a um ser sob a Forma na qual Ele se revela a si mesmo neste ser, e por isso mesmo na qual revela este ser a si mesmo. O desfecho está aí: “Entra comigo no Templo”, ordena finalmente o Jovem místico. O Templo impenetrável: eis que o intérprete do Mistério não se contenta mais em traduzi-lo. Quando se reconhece quem ele é, ele introduz nele. “Entrei imediatamente em sua companhia, e eis que de repente ele colocou sua mão sobre meu peito e disse: Sou o sétimo em grau, quanto à minha capacidade de abraçar os mistérios do devir, da hecceidade individual e do onde; o Ser Divino me existenciou como um fragmento da Luz de Eva em estado puro.” Por sua vez, o Alter Ego divino, o “Anjo”, revela a seu eu terrestre o mistério de sua intronização pré-eterna. No Templo que os contém a ambos, revela-se o segredo da teofania adâmica que estrutura o Criador-Criatura como uma bi-unidade: Eu sou o Conhecedor e o Conhecido, a Forma que se mostra e a Forma para quem ela se mostra, - a revelação do Ser Divino a si mesmo, tal como é determinada em ti e por ti, por tua hecceidade eterna, ou seja, tal como Ele se conhece em ti e por ti sob a forma deste “Anjo” que é a Ideia, a teofania pessoal de tua pessoa, seu Companheiro eterno.

/home/mccastro/public_html/speculum/data/pages/corbin/corbin-kaaba.txt · Last modified: by 127.0.0.1