Corbin (PM:12-13) – paradoxo do monoteismo
Para destacar o paradoxo que tenho em vista aqui, seria indicado atentar primeiro a certos aspectos do pensamento judaico-bíblico, que é nossa irmã mais velha de todos. Seria preciso precisar o alcance que o ensino esotérico dá ao uso da palavra “Deuses” no plural, a uma expressão frequente como “os filhos de Deus”, ao versículo do Deuteronômio 10/17: “O Senhor vosso Deus é o Deus dos Deuses, o Senhor dos Senhores”. Seria necessário insistir na angelologia dos Essênios e no conjunto dos livros de Enoque, no Anjo de YHWH, no Querubim no Trono, no Anjo Metatron, no Anjo da Face, nas Sephirot, na Cabala antiga e na tardia, etc. Somente nossos confrades cabalistas judeus podem enfrentar a complexidade dessa angelologia e dessa cosmologia. Lembrar-se-á como Fabre d'Olivet traduzia o nome Elohim, no início do Gênesis: “Ele-os-Deuses, o Ser-dos-seres”. Mas também seria preciso recordar os vastos sistemas da Gnose, desde a Gnose primitiva até os Cabalistas cristãos, sem esquecer, de passagem, a opinião de certos Padres gregos da Igreja para os quais o cristianismo trinitário estava a igual distância do monoteísmo e do politeísmo. Infelizmente, não temos nem o tempo nem o espaço. Limitarme-ei, portanto, ao domínio da gnose e da teosofia islâmicas, das quais já tratei aqui em Eranos. Certamente, constataremos ao final suas repercussões nos domínios vizinhos, e a comparação ficará pelo menos assim iniciada.
Quando, pois, falo do “paradoxo do monoteísmo”, tenho em vista antes de tudo a situação tal como foi vivida e superada pelos gnósticos e teosofos do Islã, particularmente pela Escola do grande teosofo visionário Mohyîdîn Ibn Arabi (m. 1240). Esse paradoxo, recapitulo-o muito brevemente, tal como podemos destacar suas três fases segundo o próprio Ibn Arabi e seus continuadores. Farei aqui especial apelo a Sayyed Haydar Âmolî (m. post 785/1385), que foi ao mesmo tempo o crítico e o maior dos discípulos xiitas de Ibn Arabi. Temos aqui mesmo, em várias ocasiões, tratado de sua obra considerável.
