corbin:corbin-poema-sofianico

Corbin (Ibn Arabi) – O poema sofiânico de um «Fiel do Amor»

No prólogo do Diwan que intitulou «O intérprete dos ardentes desejos», Ibn Arabi relata assim as circunstâncias de sua composição: «Quando durante o ano 598 h. (= 1201 AD) fazia uma estadia na Meca, frequentei uma sociedade de pessoas eminentes, homens e mulheres, formando uma elite das mais cultivadas e das mais virtuosas. Qual tenha sido sua distinção, não vi no entanto ninguém entre elas que igualasse o sábio doutor e mestre Zahir ibn Rostam, originário de Ispahan mas tendo residido em Meca, assim como sua irmã, a venerável anciã, a sábia do Hedjaz, chamada Fakhr al-Nisa (a «Glória das mulheres») Bint Rostam». Aqui Ibn Arabi se estende com prazer sobre lembranças agradáveis, mencionando, entre outras, os livros que estudou sob a direção do xeique em companhia da irmã deste. Tudo isso não ainda senão preparativos para introduzir o motivo que está na origem dos poemas constituindo o Diwan.

Da sociedade requintada que frequentava a residência dessa nobre família iraniana estabelecida em Meca, uma figura de pura luz se destaca. O texto é daqueles que não se resumem. “Ora, esse Shaykh tinha uma filha, uma esbelta adolescente que cativava os olhares de quem quer que a visse, cuja simples presença era o ornamento das assembleias e maravilhava até o êxtase quem quer que a contemplasse. Seu nome era Nezâm (Harmonia) e seu epíteto, 'Olho do Sol e da Beleza' ('ayn al-Shams wa’l-Bahâ'). Sábia e piedosa, experiente na vida espiritual e mística, ela personificava a venerável antiguidade de toda a Terra Santa e a juventude ingênua da grande cidade fiel ao Profeta. A magia de seu olhar, a graça de sua conversa, eram tal encantamento que, se porventura se alongava, suas palavras fluíam como fonte; se breve, era uma maravilha de eloquência; se discorria, clara e transparente se fazia… Não fossem as almas mesquinhas, ávidas por escândalo e propensas à maledicência, comentaria aqui as belezas que Deus lhe concedeu, tanto no corpo quanto na alma — esta, um jardim de generosidade…”

“No tempo em que a frequentava, observava com cuidado as nobres dádivas que adornavam sua pessoa, além daquilo que a companhia de sua tia e de seu pai acrescentava. Foi então que a tomei como modelo de inspiração para os poemas contidos neste livro, poemas de amor, compostos de frases elegantes e suaves, embora eu não tenha conseguido expressar sequer uma parte da emoção que minha alma sentia — e que a convivência com essa jovem despertava em meu coração —, nem do amor generoso que experimentava, nem da lembrança que sua amizade constante deixou em minha memória, nem da graça de seu espírito e da modéstia de seu porte, pois ela é o objeto de minha Busca e minha esperança, a Virgem Puríssima (al-Adhrâ’ al-batûl). Todavia, consegui versar alguns dos pensamentos de minha nostalgia, como presentes e tesouros aqui oferecidos. Deixei minha alma enamorada expressar-se claramente, quis sugerir o profundo apego que senti, a profunda inquietude que me atormentava naquele tempo já passado, e a saudade que ainda me comove ao lembrar da nobre companhia dessa jovem.” Mas eis agora as instruções decisivas que revelam a essência do poema, as intenções às quais o leitor é convidado a se conformar: “Qualquer nome que eu mencione nesta obra, é a ela que me refiro. Qualquer morada que eu celebre em elegia, é de sua casa que penso. Porém, há mais. Nos versos que compus para este livro, não cesso de aludir às inspirações divinas (wâridât ilâhîya), às visitas espirituais (tanazzolât rûhânîya), às correspondências (deste nosso mundo) com o mundo das Inteligências angélicas — conforme meu costumeiro modo de pensar por símbolos. Isso, porque as coisas do mundo invisível me atraem mais que as desta vida presente, e porque essa jovem compreendia perfeitamente o sentido de minhas alusões (isto é, o significado esotérico de meus versos).” Daí este solene aviso: “Que Deus preserve o leitor deste Dîwân de qualquer tentação que o leve a supor coisas indignas das almas que desprezam tamanhas baixezas, indignas de seus elevados propósitos voltados apenas às coisas celestiais. Amém! — pelo poder d’Aquele que é o Senhor único.”

/home/mccastro/public_html/speculum/data/pages/corbin/corbin-poema-sofianico.txt · Last modified: by 127.0.0.1