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Corbin (USJJ6) – Combate pela Alma do Mundo

USJJ6 Conceito e visão da Alma do Mundo como Sofia – um tema por excelência da pesquisa espiritual comparada. Seu campo é vasto. O “Combate pela Alma do Mundo” se trava em três frentes:

  • Teológica
  • Filosófica e cosmológica
  • Antropológica (relativa à estrutura e finalidade do homem).

I. TEOLOGIA

O conceito da Sofia divina como Alma do Mundo delimita o medium entre a teologia apofática (negativa) e a teologia catafática (afirmativa). A teologia racional catafática só se legitima se precedida por uma rigorosa teologia apofática. Caso contrário, ela racionaliza os mistérios divinos e pode erigir novos ídolos. Porém, a articulação entre teologia negativa e afirmativa só é possível mediante uma mediação. Sem categorias além do Deus criador e da criatura, o dualismo persiste. A doutrina da Sofia em Jacob Böhme, por exemplo, introduz esse termo médio que une Criador e criatura, revelando a Criação como tragédia humana e divina, processo teogônico e cosmogônico. O mistério do Ato criador amplia-se no mistério da Presença divina no mundo – ideia encarnada pela Sofia. Sem ela, Deus se retira definitivamente do mundo, levando a um teísmo dualista “sem Alma”. A) A sophiologia na Ortodoxia russa:

  • Serge Bulgakov (sophiologia teológica)
  • Vladimir Soloviev (sophianismo poético)
  • Jacob Böhme (influência esotérica)

B) A Sofia como Shekhinah (Presença divina) na Cabala:

  • Na Cabala judaica
  • Nos platônicos e cabalistas cristãos (Henry More vs. Descartes; Robert Fludd vs. Pe. Mersenne; Cudworth vs. Pierre Bayle; Clarke vs. Leibniz), com ênfase em Böhme e Oetinger.

Não se trata de “história da filosofia”, mas de fases recorrentes do mesmo “Combate pela Alma do Mundo” que nos envolve hoje.

II. FILOSOFIA E COSMOLOGIA

O contraste central é entre:

  • Filosofia racional pura: Deus como Intelligentia supramundana cria o mundo diretamente, sem intermediários. Rejeita a Alma do Mundo como “degradação do Divino”. É um monoteísmo unidimensional, que ignora como a Sofia preserva a transcendência divina.
  • Teosofia (gnósticos, cabalistas): O Uno primordial não cria diretamente; o Demiurgo emana dele. É um monoteísmo pluridimensional, com planos metafísicos superpostos que salvaguardam a transcendência.

Questão crucial: Até que ponto o “monoteísmo unidimensional” é responsável pelo “Sexta-Feira Santa especulativo” que proclamou a “morte de Deus”? Esse debate opôs:

  • Racionalistas: Descartes, Pe. Mersenne, Bayle, Leibniz
  • Teosofistas: Platônicos de Cambridge, Böhme, teosofia zoroastriana e xiita.

A rejeição da Alma do Mundo está ligada ao dualismo corpo/alma, matéria/espírito. Falta a mediação de um mundo intermediário (ex.: mundus imaginalis de Molla Sadra, sensorium Dei em Oetinger). A Sofia é essa mediadora – “corporeidade celestial” (Böhme) que encarna o espiritual.

III. ANTROPOLOGIA: O CORPO ESPIRITUAL E A ALMA DO MUNDO

Como observou Schelling, o homem não entra no mundo dos Espíritos com seu “corpo material”, mas com o que há de espiritual em seu corpo – o “demoníaco” (o físico-espiritual). O que morre é o cadáver; o corpo sutil permanece. Essa visão ecoa Molla Sadra (mundus imaginalis) e Proclo (okhêma). Crise atual: Teólogos modernos, rejeitando o “dualismo alma/corpo”, afirmam que o homem é apenas um “corpo animado”. A morte, destruindo o corpo, destruiria o homem por completo. Eles negam o além e atacam o platonismo. Erro fundamental: não distinguem corpo sutil (inseparável da alma) de corpo material. Conclusão:

  • A perda da sophiologia leva ao desencantamento do mundo: Deus se ausenta, o homem fica prisioneiro do materialismo (agnosticismo, sociologia reducionista, etc.).
  • O “Combate pela Alma do Mundo” é, em última instância, o combate pelo homem. A “morte de Deus” e a “morte do homem” são faces da mesma perda.

Este combate remonta séculos – até às religiões iniciáticas contemporâneas do cristianismo primitivo. Seus três aspectos refletem o contraste entre:

  • Visão “pelos olhos da carne” vs. “pelos olhos de fogo”
  • Hermenêutica espiritual vs. hermenêutica historicista moderna.

Henry Corbin, 5 de agosto de 1978

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