Corbin (CETC:42-46) – Keshvars
O esquema da superfície terrestre, tal como projetado aqui pela Imaginação ativa, é o seguinte. Originalmente, a Terra foi instaurada como um todo contínuo, mas devido à opressão das Potências demoníacas, ela foi dividida em sete keshvars (avéstico karshvar). Entenda-se por esta palavra uma representação análoga à do latim orbis – são zonas da Terra firme, mais do que “climas”. Não apenas a representação não é etimologicamente a mesma, mas convém prevenir qualquer confusão com a divisão em climas propriamente ditos, que virá em seguida.
Há o keshvar central chamado Xvaniratha (cujo significado é algo como “roda luminosa”), e cuja extensão por si só equivale à totalidade dos outros seis keshvars dispostos ao seu redor, separados uns dos outros pelo oceano cósmico que os circunda. Há um keshvar oriental, um ocidental, dois ao norte, dois ao sul. Do lado oriental, o keshvar chama-se Savahi; do lado ocidental, Arezahi; os dois keshvars do sul são Fradadhafshu e Vidadhafshu; os dois keshvars do norte são Vourubareshti e Vourujareshti. Todos esses keshvars estão separados uns dos outros pelo oceano cósmico que os cerca (Vourukasha). Quanto à sua situação, ela é deduzida astronomicamente em relação ao keshvar que é o centro, e cuja presença é assim situativa do espaço antes de ser ela mesma situada no espaço. Em outras palavras, trata-se não de regiões distribuídas em um espaço previamente dado, espaço homogêneo e quantitativo, mas da estrutura típica de um espaço qualitativo.
Desde o ponto onde o sol nasce no dia mais longo até o ponto onde nasce no dia mais curto, aí está situado o keshvar oriental de Savahi. Desde este último ponto até o ponto onde se põe no dia mais curto, estão situados os dois keshvars do sul. Deste último ponto até o ponto onde se põe no dia mais longo, está o clima ocidental de Arezahi. Finalmente, deste último ponto até o ponto onde nasce no dia mais longo, estão os dois keshvars do norte. Na verdade, os nomes dos seis keshvars que circundam o clima central de Xvaniratha correspondem a regiões imaginais (cf. fig. 1). Tanto que foi possível considerá-los como referindo-se primitivamente a uma topografia celeste, e como tendo sido aplicados posteriormente para designar localidades terrestres; lagos e montanhas da Terra seriam assim nomeados segundo seus arquétipos celestes. Quanto ao significado dos nomes desses keshvars, pode-se pressenti-lo a partir dos nomes dos seis Saoshyants (Salvadores) que lhes correspondem simetricamente, ou seja, os nomes dos seis heróis que, cada um em seu keshvar respectivo, cooperarão com o Saoshyant final na Transfiguração do mundo.
Como acabamos de dizer, a disposição desses keshvars, correspondendo a regiões imaginais, não restitui os dados de uma geografia positiva, mas configura a Imago Terrae projetada pela percepção imaginativa. O que esta percebe é por essência uma geographia imaginalis, constituída de regiões imaginais. Mais do que falar de regiões “míticas” com a conotação de “irreal” que hoje se associa a este termo, preferimos sugerir sua realidade sui generis falando das “regiões imaginais” desta geografia visionária. Cabe apenas à Imaginação ativa visitar estas regiões, mas ela pode fraquejar e se ver impedida de acessá-las. Assim, já não é mais possível aos humanos, como foi na origem, passar de um keshvar a outro.
É em Xvaniratha, no centro do keshvar central, que se encontra Airyanem Vaejah (pálavi Erân-Vêj), o berço ou germe dos Arianos (= Iranianos). Foi lá que foram criados os Kayanidas, os heróis lendários; foi lá que foi fundada a religião mazdeísta, de onde se espalhou para os outros keshvars; é lá que nascerá o último dos Saoshyants que reduzirá Ahriman à impotência, cumprindo a ressurreição e a existência futura.
Por sua vez, Xvaniratha, que representa a totalidade do espaço geográfico agora acessível aos homens, embora seja apenas uma das sete partes da Terra habitada, foi posteriormente dividida em sete regiões, segundo um esquema onde um círculo central figura o país iraniano ao redor do qual estão agrupados seis outros círculos, mas desta vez tangentes entre si e de raios iguais. É este procedimento de figuração circular que os geógrafos iranianos da época sassânida transmitiram aos árabes; assim, Yaqût, trabalhando com dados antigos, refere-se expressamente a Zoroastro para este procedimento de figuração geográfica (cf. fig. 2).
Este procedimento é ele mesmo o que nos permite discernir um modo bastante próprio de imaginar e meditar a Terra. Ele determina de fato uma estrutura independente de qualquer sistema de coordenadas espaciais: “basta-lhe posicionar uma origem”. Ao contemplar esta estrutura, a atenção converge para este centro, ela é sempre reconduzida a ele, pois a situação, o sentido e a orientação dos outros keshvars são determinados pelo centro e nele se originam (basta, para captar o contraste, comparar com o procedimento cartográfico de Ptolomeu, onde os climas são figurados por faixas paralelas escalonadas a partir do equador). Toda a estrutura está portanto ordenada a este centro-origem. Em qualquer lugar da geografia positiva que nos seja necessário situar a história primitiva dos Iranianos – seja a Leste na Ásia Central ou a Oeste no Azerbaijão – o processo mental de rememoração é o mesmo: os Eventos aconteceram e são rememorados em Erân-Vêj, ou seja, no centro que é ao mesmo tempo origem. A presença do sujeito no centro não é uma presença situada, mas uma presença situativa. In medio mundi, a alma está livre das servidões das coordenadas espaciais. Em vez de “cair”, de ter que se situar em um espaço preexistente, é ela que “espacializa”, ou seja, que é a origem, cada vez, das referências espaciais e determina sua estrutura. É por isso que não temos aqui uma representação empírica, mas uma figura-arquétipo.
Outras exemplificações desta figura são possíveis, que sempre tendem a instaurar ou reconduzir a alma ao centro, porque não é na dispersão mas na concentração que a Imago Terrae pode refletir à alma sua própria Imagem, ou que reciprocamente a alma pode fixar sua meditação na Imagem-arquétipo. Tal foi, por exemplo, o sentido da arte e da estrutura dos jardins no Irã (sabe-se que nossa palavra “paraíso” tem origem em uma palavra meda, pairi-daeza). É por isso que se pode dizer que a figuração da Terra nos sete keshvars, como figuração arquetípica, é um instrumento de meditação. Ela se apresenta à maneira de um mandala. Guia uma marcha do pensamento que procede não por via silogística ou dialética, mas à maneira do ta'wil, a exegese dos símbolos, exegese espiritual que é recondução à origem, a qual é o centro, lá onde precisamente pode se ocultar o aparente e manifestar o oculto (como na alquimia, como foi lembrado acima). E é lá de fato transmutar o texto (texto escrito ou texto cósmico) em símbolos, ou seja, levá-lo à incandescência onde o significado oculto transparece através do invólucro tornado diáfano. Desde então, podemos captar a conexão desta cartografia com os eventos da geografia visionária, geografia de um mundo que secreta sua própria luz, como esses mosaicos bizantinos cujo ouro ilumina o espaço que eles encerram, ou como o fundo dourado e vermelho dos ícones ou das paisagens de certa escola persa, transfigurando as cores; tal também o paraíso de Yima, in medio mundi, e tal a Terra de Hûrqalyâ, sobre a qual se falará longamente nas páginas que seguem.
Desde então também, podemos ultrapassar o nível no qual foi colocada uma das questões mais irritantes que atormentaram várias gerações de orientalistas: onde ocorreu a pregação zoroastriana? Onde estava Erân Vêj, já que é em Erân Vêj que Zaratustra teve suas visões e começou sua pregação? A maioria dos orientalistas admite hoje que o local da pregação de Zaratustra, tal como ainda podemos ouvir ao ler os Gathas, deve ser situado na Ásia Central, em algum lugar na região do Alto Oxus, no extremo oriental do mundo iraniano. Em contrapartida, esta certeza científica dominante está em contradição com as tradições iranianas posteriores, as da época sassânida e pós-sassânida, que situam o nascimento e a pregação de Zaratustra no extremo ocidental do mundo iraniano, no Azerbaijão. Tentaram-se soluções de conciliação, mantendo-se no terreno dos fatos positivos: Zaratustra teria nascido a Oeste, mas sua pregação teria ocorrido a Leste. Uma solução recente inspira-se precisamente no sistema dos keshvars: a história sagrada do zoroastrismo primitivo teria ocorrido no oriente do mundo iraniano; depois, a missão zoroastriana penetrando progressivamente para o oeste do mundo iraniano, um belo dia a orientação geográfica teria sido simplesmente invertida (o keshvar oriental teria se tornado o keshvar ocidental). Tudo teria acontecido como se o sistema dos keshvars tivesse girado sobre um eixo central. Pronunciou-se até mesmo a palavra “falsificação”, porque os Magos ocidentais teriam assim identificado a posteriori no Azerbaijão os lugares santos da história sagrada (o Araxes, o monte Savalã, a cidade santa de Shîz), sem que esta identificação tenha o menor valor “histórico”.
