daryush_shayegan:shayegan-dsapp-mundo-trama-de-insanidade-khayyam

Shayegan (DSAPP) – mundo, trama de insanidade (Khayyam)

A visão de Khayyâm, apesar de sua simplicidade desconcertante, é muito difícil de capturar: como areia escorrendo entre os dedos, quanto mais se tenta dominá-la, mais ela resiste sob a aparência coerente de uma visão que, à primeira vista, convida apenas a uma leitura inicial. Quanto a esta, a mensagem é clara: este mundo não tem começo nem fim, tudo é efêmero. A morte nos espreita a cada instante; nas horas mais ricas da vida, ela surge bruscamente de seu esconderijo e nos diz: “Aqui estou”. Tudo está condenado a desaparecer: esta alça da jarra que antes foi uma mão acariciando o pescoço de uma bela feiticeira; esses palácios que desafiavam os céus onde Bahram erguia a taça avermelhada, agora um amontoado de ruínas. O inferno não é senão as chamas de nossas dores vãs e o paraíso o instante requintado da felicidade. O mundo é desprovido de todo sentido, cada um projeta nele a imagem de suas ilusões. O fundamento do mundo é absurdo e cruel: se abríssemos o peito da terra, “quantas joias e pérolas encontraríamos”? Mesmo os mais ilustres espíritos nada entenderam e, portanto, não puderam “trazer à luz o caminho dessa noite tenebrosa”; eles murmuraram “alguma fábula” e depois desapareceram. Não há ressurreição, nem retorno a alguma origem, nem a esperança de que, depois de cem mil anos, possamos crescer um dia como a erva tenra. Se fosse preciso refazer o mundo, diz Khayyâm, “eu o construiria de tal forma que se pudesse acessá-lo a seu desejo sem dificuldade”. Atribuir nossas próprias falhas ao mundo é inútil, pois ele é mil vezes mais impotente do que nós. Não se pode desvendar os mistérios celestes; o mundo é uma “lâmpada mágica” em torno da qual giramos como imagens perdidas; somos “marionetes” que uma mão invisível faz aparecer no teatro do mundo para logo as fazer desaparecer na “caixa do Nada” (sandûq-e ‘adam). Aqueles que partiram daqui jamais retornarão; ninguém voltou do outro mundo para nos contar o que aconteceu com os “viajantes do mundo”. É certo que se fala de um véu em algum lugar, mas “que o véu desabe, não restaremos nem tu nem eu”. A trama do mundo é tecida de insanidade: se a ordem é perfeita, para que desfazê-la, e se é imperfeita, a quem incumbe a culpa? Entre religião e incredulidade, entre certeza e dúvida, há apenas um sopro (nafas), e esse sopro se vai ao sabor dos instantes evasivos. É preciso aproveitar o instante antes que ele voe, beber a taça antes que ela se quebre, desfrutar do amor antes que o vento da morte rasgue o frágil manto da existência. O mundo já existia antes de estarmos nele, e não deixará de existir depois que partirmos; assim, não teria sido melhor, afinal, nem aparecer, nem vir a ser, nem ser? É que em um mundo tão mutável, tudo é, infelizmente, apenas vento: “Nós só nos dedicamos a um único instante e esse mesmo instante é apenas nada.”

/home/mccastro/public_html/speculum/data/pages/daryush_shayegan/shayegan-dsapp-mundo-trama-de-insanidade-khayyam.txt · Last modified: by 127.0.0.1