Dostoiévski, uma nova ciência do homem (Berdiaeff)
Berdiaeff, L'esprit de Dostoïevski. (1945)
Dostoiévski é, antes de tudo, um grande antropologista, um experimentador da natureza humana. Ele descobre uma nova ciência do homem e aplica a ela um método de investigação até então desconhecido. A ciência artística – ou, se preferirmos, a arte científica de Dostoiévski – estuda a natureza humana em seus abismos sem fundo, em sua extensão sem limites, expondo suas camadas mais profundas e mais ocultas. Trata-se de uma experiência espiritual à qual Dostoiévski submete o homem: ele o coloca em condições excepcionais, removendo uma após outra todas as formações exteriores, minando todas as bases sociais.
Ele conduz seu estudo antropológico segundo o método da arte dionisíaca, e, ao mesmo tempo em que penetra nas profundezas misteriosas da natureza humana, levanta turbilhões que arrastam consigo. Toda a obra de Dostoiévski é uma antropologia em movimento, onde as coisas se revelam em uma atmosfera de êxtase e fogo – de modo que só será inteligível para aqueles que são igualmente arrebatados por este furacão. Nada é estático em tal obra, nada é fixo, petrificado. Tudo é dinamismo, tudo é movimento, um torrente ininterrupto de lava ardente.
Dostoiévski nos conduz aos abismos obscuros, que se abrem no interior do homem, através das trevas mais densas. Nessas trevas, uma luz deve brilhar. E é essa luz que ele quer fazer surgir. Assim, Dostoiévski toma o homem completamente libertado, subtraído às leis, evadido da ordem cósmica, e segue seu destino nessa liberdade, revelando aonde esse destino o conduzirá inevitavelmente. É isso que interessa a Dostoiévski mais do que tudo: o destino do homem que, possuindo a liberdade, se perde fatalmente no arbítrio. É somente então que a profundidade da natureza humana se manifesta.
O segredo dessa profundidade não pode se revelar no curso de uma existência normal, bem estabelecida sobre um solo firme. Não, é apenas no momento em que o homem se levanta contra a ordem objetivamente estabelecida do universo, arranca-se da natureza, de suas raízes orgânicas, e manifesta seu arbítrio, que seu destino interessa a Dostoiévski. O trânsfuga da natureza, da vida organizada, lança-se então, segundo Dostoiévski, no purgatório e no inferno da cidade – e lá percorre seu caminho de sofrimento, expiando sua culpa.
