dubois:dubois-ddag-nao-dualidade-com-ou-sem-desejo

Dubois (DDAG) – Não-dualidade com ou sem desejo

DDAG

Para resumir, a não-dualidade de Shankara se distingue da de Abhinavagupta nos seguintes pontos:

O absoluto é ser puro. Para Abhinavagupta, é, além disso, ação. A consciência é consciência pura, sem relação com o julgamento e a fala. Para Abhinavagupta, a consciência é a fonte de toda linguagem. Shankara mal se detém no absoluto como “felicidade”. Abhinavagupta faz dela o coração de seu sistema, notadamente “sexualizando” a liturgia. O absoluto é apenas conhecimento, sem nenhuma atividade. Para Abhinavagupta, o Ser é conhecimento e atividade. O Ser é sem desejo. Para Abhinavagupta, o desejo, compreendido como desejo de si, é a essência de Deus. O absoluto é definido apenas por negação e exclusão de tudo o que é sentido ou pensado. Abhinavagupta não reduz o absoluto ao discurso, mas inclui todos os aspectos da experiência humana no Ser-Senhor. O absoluto não é “Senhor”. É apenas uma forma de falar, para descrever o absoluto em relação a nós. Para Abhinavagupta, ao contrário, a liberdade é o coração do absoluto. O “ser imutável” sem essa liberdade não vale nada. O mundo é uma ilusão, uma aparência. Só o absoluto é real. Para Abhinavagupta, por outro lado, o mundo não é uma simples ilusão. Mas, acima de tudo, a questão de saber se ele é real ou não está mal colocada. O que importa é o nosso julgamento em relação a nós mesmos, ao mundo e aos outros seres. Sentimos este mundo como estranho, hostil, ou como um prolongamento do nosso ser? Que tudo isso seja real ou irreal pouco importa. O ritual e o yoga são apenas meios de purificação para se preparar para o conhecimento do absoluto por meio das palavras das Upanishads. Eles fazem parte da ilusão. Portanto, não podem nos libertar dela. Abhinavagupta é mais matizado. O conhecimento não é o meio supremo de libertação. Há, acima dele, o puro desejo. Além disso, a ação ritual é uma forma de linguagem. Portanto, por que não poderia levar à autoconsciência da mesma forma que o conhecimento? Só aquele que se torna indiferente a tudo pode ter acesso ao conhecimento libertador. Para o adepto kaula que Abhinavagupta foi, não há questão de indiferença. É, ao contrário, a falta de sensibilidade que aprisiona a consciência comum em uma camada de sono. A libertação é apenas a realização do Ser imutável e inativo. É estar livre de todo afeto, de toda condição e das consequências dos atos. Mas a ação não é mais possível após a realização do Ser. Trata-se, portanto, de uma liberdade totalmente passiva. Para Abhinavagupta, ser apenas livre de todo determinismo não é a verdadeira liberdade, que consiste antes em agir segundo uma vontade incondicionada, a do Senhor. A não-dualidade diz respeito à teoria, nunca à prática. É proibido transpor as verdades do conhecimento para o domínio dos atos. O sistema de castas nunca deve ser questionado. Aquele que é livre não age. Ele renuncia a tudo e vive afastado de toda vida social. Para Abhinavagupta, a não-dualidade é, ao contrário, uma prática, uma ética, que implica desfazer-se de sua adesão ao sistema de castas.

Está claro que, mesmo que as diferenças teóricas possam parecer mínimas (e ainda assim!), suas consequências práticas são consideráveis. No limite, poder-se-ia conceber que o sistema de Abhinavagupta pudesse se acomodar ao de Shankara. Aliás, foi o que fez uma parte da tradição do Shrividya, uma tradição tântrica contemporânea muito popular e frequentemente integrada às instituições brâmanes. Por outro lado, Shankara não poderia adotar todas as teses de Abhinavagupta sem perder seu “eu” brâmane. Na visão inclusivista do mestre de todas as tradições shaivas, a não-dualidade de Shankara teria, de fato, seu lugar: corresponde ao momento em que a consciência se liberta de todos os objetos limitados em um gesto de negação total. É assim que Abhinavagupta interpreta a célebre frase da antiga Upanishad: o Ser “não é assim, não é assim!”. No entanto, esse esvaziamento é para o shaivismo apenas um estágio para a soberania. Abhinava não menciona Shankara. Por outro lado, ele critica uma posição bastante semelhante em seus comentários sobre o Reconhecimento, a de Mandanamishra. (Outro partidário do Vedanta, talvez contemporâneo de Shankara (por volta do século VIII). Ele é próximo de Shankara, mas menos radical que ele em sua rejeição dos ritos e da meditação. Para Shankara, de fato, nenhuma prática pode levar à realização do Ser sempre já real. Apenas a compreensão das palavras da Revelação vedântica, como “Tu és isso”, permite o acesso a essa realização.) Este exame se concentra em dois pontos em particular: por um lado, o Vedanta afirma que os fenômenos são irreais e sem fundamento racional. Mas então, de onde vêm essas aparências? E quem é ignorante, se só existe o absoluto? Por outro lado, o Vedanta sustenta que o absoluto é sem desejo nem atividade. Mas, por causa disso, torna-se impossível agir livremente. O adepto do Vedanta parece condenado a temer a vida, refugiando-se em uma liberdade abstrata, afastada de tudo. Ora, que vale uma liberdade se ela não permite agir?

/home/mccastro/public_html/speculum/data/pages/dubois/dubois-ddag-nao-dualidade-com-ou-sem-desejo.txt · Last modified: by 127.0.0.1