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Dubois (DDAG) – Si, provado ou não provado

DDAG

No entanto, o que nos prova a existência de um Senhor assim? E, afinal, existe realmente algo como um “si”, ou seja, uma identidade permanente, imune à ação do tempo? Contrário a uma crença comum, essa ideia de que somos um absoluto que se esqueceu em um corpo está longe de ser consensual na Índia! Para o budismo, por exemplo, tudo isso não passa de imaginação. Segundo os adeptos do Iluminado, um exame atento revela que há ali apenas um fluxo de sensações e pensamentos. Libertar o “si” do ciclo das reencarnações é, portanto, simplesmente libertar-se da ideia do “si”, do “mim” e do “meu”, com todo o sofrimento que o apego a essas ficções acarreta, como uma cascata de misérias. Essas são as principais objeções que uma mente daquele tempo poderia formular. E, é preciso dizer, elas mantêm grande parte de sua pertinência. Abhinavagupta parece, de fato, propor coisas muito contraditórias: o mundo e nossa finitude não são uma pura ilusão, e ainda assim somos o Senhor todo-poderoso. Como é possível ser ao mesmo tempo prisioneiro da finitude e todo-poderoso? Mesmo para uma mentalidade indiana supostamente acostumada às extravagâncias místicas, há aí o suficiente para deixar perplexo. A resposta de Abhinavagupta, a mais simples mas não a menos desconcertante, é que o Senhor-Si não pode ser provado nem refutado. Ele é, e ele é a essência de todas as provas que poderiam ser apresentadas a favor ou contra. Da mesma forma, os outros “meios” que poderiam ser alegados para fazê-lo conhecido, ou mesmo para fazer conhecida sua existência, são todos igualmente vãos. Porque o Si-Senhor é o ser de tudo. Este ser, esta existência das coisas – reais como imaginárias – nada mais é do que sua manifestação, seu aparecer. Seu aparecer é sua presença. Mesmo o não-ser ou o nada está “presente” na medida em que se pode falar dele, imaginá-lo, concebê-lo e recordá-lo, mesmo que no modo do “Ah, não há nada, é inconcebível” ou “Isso não existe!”. Essa presença que abrange tanto a presença quanto a ausência de toda coisa é descrita como “luz” ou “iluminação” (prakāśa), pois nada pode ser ou não ser, ser verdadeiro ou falso, fora desse Ser, assim como nada é visível sem luz. Portanto, não se pode estabelecer a existência da Existência, assim como não se poderia iluminar a luz com a própria luz. Também não se pode refutá-la. Para refutar, de fato, é preciso ainda “luz” em forma de consciência-conhecimento. Além disso, é preciso que o objeto da refutação esteja imerso nessa presença diáfana sem a qual nenhuma forma de conhecer é possível, mesmo que puramente negativa, em forma de simples constatação de uma impotência em conhecer. De forma mais imagética, querer refutar o Ser é como querer iluminar a escuridão. Assim que a luz atinge as trevas, estas não são mais trevas, mas luz. Em outras palavras, sustentar que o Ser não é, é contradizer-se e é ainda, indiretamente, afirmar sua presença que é a própria presença do não-ser. Em termos de consciência, dizer que: “Além desses limites, a consciência não existe mais”, é ainda implicitamente confessar a presença de uma consciência como testemunha dessa ausência de consciência. Afirmar que o mundo, a morte ou outra coisa existem fora de toda consciência ou em sua ausência, soa como o testemunho de um criminoso que garante que estava ausente da cena do crime porque viu que não havia ninguém… Se aquele que quer refutar a existência de Deus consegue, ele falha.

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