Morte (Enel)
Enel1966
Entende-se a metáfora do ensinamento egípcio que chama a morte: “o retorno aos braços de sua mãe”. Como a criança perdida que, assustada e infeliz, corre para se jogar nos braços da mãe, sabendo que só ali estará feliz e segura, assim o homem, após as dores e lutas da existência, encontra na morte a paz e o repouso.
Na língua dos hieróglifos, as palavras “mãe” e “morte” se escreviam de forma idêntica, pelos mesmos caracteres: MT, diferenciando-se apenas pelo sinal determinativo.
A língua hebraica conservara a mesma raiz MT para designar a morte. Em árabe, encontramos as mesmas consoantes, com o mesmo significado: Moût. É interessante notar que, em algumas línguas modernas, há uma parentesco consonântico entre as duas palavras; por exemplo, em francês: mère (mãe) e mort (morte). Como mostrei em meu livro “A Mensagem da Esfinge”, a individualidade, se podemos empregar esse termo, de uma raiz, é constituída pelas consoantes; as vogais apenas permitem que a combinação de consoantes seja pronunciada. Por isso, nas línguas antigas, uma palavra se escrevia apenas por meio de consoantes, sendo as vogais secundárias, para a pronúncia. Em hebraico e árabe, por exemplo, essa regra ainda hoje é observada, suprimindo-se as vogais. No hebraico, só em textos relativamente recentes elas são indicadas por pontos ou sinais (como o cometz).
Assim, na palavra francesa mort, a raiz real é MR, o O tendo apenas valor fonético, e o T sendo um sufixo mudo. Na palavra mère, encontramos a mesma raiz MR, o primeiro E sendo apenas fonético e o último E um sufixo mudo.
Não insistiremos nessas observações puramente linguísticas. Gostaria apenas de acrescentar um detalhe que me parece importante.
Sabemos que o elemento considerado, até pela ciência contemporânea, como a matéria-prima, a mãe de todos os elementos, é a água. Ora, a palavra que designa a massa das águas é MER, em que reencontramos a mesma raiz MR. Em egípcio antigo, a massa das águas era MOUT, que se pronunciava exatamente como seu homógrafo: Moût, a mãe.
Isso esclarece outra metáfora do ensinamento egípcio, que diz que “morrer é retornar ao elemento primeiro”. O egípcio via a confirmação de sua crença na vida eterna nos fenômenos da natureza que o cercava. O pôr do sol no ocidente era para ele a imagem da morte. Mas sabia que esse ocaso não era a morte definitiva do sol, sendo apenas sua transformação, um repouso que lhe permitia recuperar forças para sua ressurreição no dia seguinte. A noite, tempo de repouso para o sol, era por isso o símbolo dessa ideia, e vemos isso claramente na palavra BKA, que significava tanto “amanhã” quanto “estar grávida”. Mais uma vez, as duas palavras, escritas de forma idêntica, só se diferenciavam pelo sinal determinativo.
Além desse fenômeno celeste, desses “sinais no céu”, o antigo egípcio via uma confirmação de sua crença no enterro da semente, que “se unia à terra”, ou, em outras palavras, devia ser sepultada para dar origem a uma nova manifestação da vida: a planta com suas flores e sua nova semente.
No animal, sempre segundo a doutrina egípcia, o mistério da vida se cumpria no ovo. Encontramos nos textos muitas referências a “aquele que está no ovo”, ou seja, no estado de preparação, de formação para uma existência individual. Osíris, o deus-múmia, o rei do Além, é chamado “aquele que está no ovo”, para mostrar que seu estado de imobilidade e aparente passividade é, na verdade, pleno de atividade, preparando-se para formar uma nova manifestação da vida. Por isso, o nome de Osíris se escrevia com o sinal do trono e um sol acima, podendo ser interpretado, em seu sentido imediato: “o trono (ou assento) do sol”, sobre o qual o rei do universo sobe em sua gloriosa manifestação. Poderíamos ainda interpretar de outra forma essa designação figurada: Osíris, o deus-múmia, é a raiz que dá vida à planta inteira. A raiz escondida na terra é o pedestal sobre o qual a bela flor, o sol, se ergue para o céu. A flor não poderia desabrochar sem a raiz que lhe dá vida, e o rei do universo, o sol, deve subir em seu trono para reinar sobre o mundo.
