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Duval (HZEN:117-118) – Vida e Ser

Duval, 1984

Depois de desobjetivar a meditação filosófica, percebe-se que meditar não se trata de um objeto qualquer, mas sim de partir daquilo que torna toda meditação possível, daquilo que impulsiona a Meditar e que é o próprio Meditar do Meditante. Assim, a Meditação não consiste em nada além de “trazer” todos os fenômenos à vida… — “Vida”, segundo Nietzsche, é um termo equivalente a Ser. “O Ser”—não temos outra representação dele senão “viver”. Essa equipotência estabelecida entre “Vida” e “Ser” pode nos surpreender. O Ocidente, de maneira bastante espontânea, opõe “Vida” à “Morte” e tende a pensar que ambas ocorrem no Ser. Quando se pergunta aos metafísicos trapézios o que entendem por “Ser”, eles piscam e dizem que não se pode entender nada—o que, claro, nos adianta muito e revela o crédito que podemos dar ao esforço filosófico.

Por outro lado, Nietzsche, questionado por Heidegger, nos diz que a única representação que podemos ter do Ser, a única forma de nos tornarmos presentes ao Ser, é a produção pura do conceito de “Vida” que nos proporciona isso.

Pode-se dizer que estamos girando em círculos: Vida, assim como Ser, não pode ser expressa em si mesma. A diferença está em que “Vida” remete àquilo que cristaliza os minerais; àquilo que faz desabrochar as flores e amadurecer os frutos; àquilo que move os ritmos animais; àquilo que infla o coração humano; àquilo que expande a amplitude do sensível; àquilo que expande o Espaço inteligível. A Vida é energia de expansão onde nada se perde e tudo se cria e recria. A Vida é a impermanência que conduz o jogo das formas que nela nascem, morrem e renascem, manifestando-se novamente sob outros modos, em outras formas. Uma nota de Houlné na edição dos “Discursos e Sermões de Houei-neng” esclarece esse ponto: — “Quando as escrituras budistas são bem traduzidas, é curioso notar que nunca se encontra, em um sentido geral, o termo 'reencarnação', mas sim os termos 'renascimento' e 'remanifestação'.” De fato, quando um ser, um “fenômeno humano”, se dissolve e para nós desaparece naquilo que chamamos de morte, o “quantum” de energia que havia agregado os diversos elementos e forças que constituíam a individualidade em processo de dissolução, essa energia liberada imediatamente gera uma série, uma sucessão de novos fenômenos, e o ser se remanifesta sob outros aspectos.

A Vida, portanto, não se opõe à morte: ela é a energia que possibilita tanto a transformação da “vida” quanto a da “morte”, que, por definição, é um “novo nascimento” pela energia assim liberada.

Tudo é Vida. Desde a alquimia obscura de onde ela emerge e permanece, até o dom que ela faz de si mesma nas múltiplas facetas de todas as suas formas possíveis. A Vida é a representação dinâmica do Diferente que vimos inscrito no coração de tudo o que existe. Ela é a Instância que nutre o Instante do Diferente.

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