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Izutsu (TIST) – Aquele que conhece a si mesmo, conhece seu senhor

Balyani

Conheço o Senhor através do Senhor sem dúvida ou incerteza. Minha essência é realmente Sua essência sem falta ou imperfeição. Não há alteridade entre Nós e meu eu é o lugar onde o invisível aparece. Já que conheço a mim mesmo sem mistura ou mácula, alcancei a união com meu amado sem distância ou proximidade. Recebi um presente transbordante sem qualquer concessão ou interação. Meu eu não desapareceu Nele nem permanece aquele que desapareceu.

Se alguém pergunta: Afirmas Deus e negas a existência de tudo mais, então o que são essas coisas que vês; a resposta é esta: Estas palavras são para aqueles que não veem nada além de Deus. Não temos discussão com aqueles que veem algo além de Deus, pois eles apenas veem o que veem. Quem conhece a si mesmo não vê nada exceto Deus, mas quem não conhece a si mesmo não vê Deus. Cada recipiente apenas exala o que há dentro dele.

Toshihiko Izutsu

Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor

Até aqui chega a segunda fase, em que «o homem conhece a seu Senhor mediante o conhecimento de si mesmo». Vejamos a terceira e última das três fases.

Começaremos por citar uma curta descrição desta por Ibn Arabi.

Após esses dois estádios, chega-se à «revelação» final. Nossas formas se verão nisso de tal maneira que todos nós nos revelaremos uns aos outros no Absoluto. Nos reconheceremos mutuamente e, ao mesmo tempo, nos distinguiremos uns dos outros.

O significado desta declaração algo enigmática pode ser explicado da seguinte maneira: aos olhos de um homem que alcançou este estado espiritual, surge uma cena de extraordinária beleza. Vê todas as coisas existentes aparecer no espelho do Absoluto e aparecer uma na outra. Todas essas coisas fluem umas nas outras e se impregnam mutuamente de tal modo que se tornam transparentes para as demais, conservando, ao mesmo tempo, sua própria individualidade. Tal é a experiência da «revelação» .

Observe-se a este respeito que al-Qâshânî divide a «revelação» em duas fases:

A primeira «revelação» ocorre no estado de «aniquilação» de si mesmo no Absoluto. Nesse estado, o homem que vê e o objeto visto não são senão o Absoluto. É o que se denomina «unificação» . A segunda «revelação» é «subsistência» após a «aniquilação» de si mesmo. Nesse estado espiritual, as formas do mundo criado fazem sua aparição; manifestam-se umas às outras no Absoluto. Desse modo, a Realidade age como espelho das criaturas. E o Ser único se diversifica em multidão através das inúmeras formas das coisas. A realidade é o Absoluto, e as formas são as criaturas. As criaturas, nessa experiência, conhecem-se umas às outras e, ao mesmo tempo, cada uma se distingue das demais.

Al-Qâshânî prossegue dizendo que alguns dos que abriram os olhos mediante a segunda «revelação» alcançam o estado de «perfeição» . São homens «que não estão velados em relação ao Absoluto pela visão das criaturas e que reconhecem os Múltiplos no seio mesmo da Unidade real do Absoluto». Tais são as «pessoas da perfeição» , cujos olhos não estão velados pela divina Majestade em relação à divina Beleza , nem pela divina Beleza em relação à divina Majestade. O último ponto é mencionado com especial ênfase, já que, segundo a interpretação de al-Qâshânî, a primeira «revelação» consiste exclusivamente em uma experiência da Beleza , enquanto a segunda é principalmente uma experiência da Majestade , de modo que, em cada caso, existe certo perigo de que os místicos destaquem exclusivamente uma ou outra.

A primeira «revelação» só põe em evidência a Beleza. O sujeito que a experimenta só presencia Beleza… Desse modo, encontra-se naturalmente velado pela Beleza e não pode ver a Majestade.

Mas entre os que experimentam a segunda «revelação», alguns se encontram velados pela Majestade e não veem a Beleza. Tendem a imaginar e representar o neste plano através das criaturas distintas do Absoluto, e por isso a visão das criaturas os impede de ver o Absoluto.

Ibn Arabi descreve a mesma situação de maneira diferente e concisa:

Alguns de nós têm consciência de que esse conhecimento acerca de nós ] ocorre unicamente no Absoluto. Mas outros são inconscientes da Presença em que dito conhecimento acerca de nós ocorre ]. Deus me livre de ser dos ignorantes!

A modo de conclusão, resumamos neste ponto a interpretação que Ibn Arabi dá da Tradição: «Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor».

Começa por sublinhar que o autoconhecimento do homem é a premissa absolutamente necessária para seu conhecimento do Senhor, e que o conhecimento do Senhor pelo homem só pode resultar do conhecimento de si mesmo.

O que importa aqui é que a palavra «Deus» , na terminologia de Ibn Arabi, significa o Absoluto manifestando-se através de um Nome determinado. Não se refere à Essência, que ultrapassa qualquer determinação e transcende qualquer relação. Assim, «Quem se conhece a si mesmo conhece a seu Senhor» não sugere de modo algum que o autoconhecimento de um homem permita a este conhecer o Absoluto em sua Essência pura. Não importa o que faça, por mais profunda que seja sua experiência de «revelação», terá que parar no nível do «Senhor». Nele encontra-se o limite da cognição humana.

Em sentido contrário, porém, a mesma cognição humana é capaz de abranger um campo surpreendentemente amplo em seu esforço por conhecer o Absoluto. Afinal, o Absoluto em seu aspecto autorrevelador é, na última e definitiva fase de sua atividade, o mundo em que vivemos. E «cada parte do mundo» é indicadora de sua própria base ontológica, que é «seu Senhor». Por outro lado, o homem é a parte mais perfeita do mundo. Se esta chega a conhecer-se a si mesma mediante o autoconhecimento ou a autoconsciência, será naturalmente capaz de conhecer, dentro dos limites do possível, o Absoluto, na medida em que se manifesta no mundo.

Parece que resta uma questão crucial: o homem é realmente capaz de conhecer-se a si mesmo com tanta profundidade? No entanto, este é um problema relativo. Se se toma a expressão «conhecer-se a si mesmo» no sentido mais rigoroso, a resposta será negativa. Mas se se toma em sentido geral, a resposta será positiva. Como diz Ibn Arabi, «Acertarás dizendo “Sim” e acertarás dizendo “Não”».

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