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Ibn Ata’allah – Teu Companheiro

SkaliTL

Seu verdadeiro companheiro, ó amigo, é aquele que te escolheu mesmo conhecendo seu estado. Ele te escolheu por você mesmo e não pelo benefício que poderia obter de você.

Pois não cabe a você escolher, mas Àquele em cujos dois dedos seu coração está. Se você quer saber qual o seu valor para Ele, Veja com o que Ele te ocupou. (Hikam)

Se Ele te aceita, ó amigo, como você é, por que você não se aceitaria? Não procure dissipar seus véus pela vã agitação de seus pensamentos. Preocupe-se com Ele e Ele se preocupará com você. Contemple a forma como Ele gira e revira seu coração.

Sua última ilusão seria acreditar que você precisaria se livrar de suas preocupações antes de se voltar para Ele.

Não espere que os pensamentos profanos cessem em você, isso o impede, no estado em que Ele o coloca, de estar atento apenas a Ele. (Hikam)

É buscando contemplá-Lo que você poderá se elevar acima de si mesmo. É cavalgando um raio de Sua luz que seu olhar saberá atravessar a espessura do seu ser. Apenas um desses olhares será então mais útil para você do que mil ciências. Ele cortará todos os laços que revela e fará voar em pedaços seus vãos refúgios. Você verá se desenhar em você, ó amigo, um caminho de luz; uma ascensão prodigiosa do olhar até que a visão se aniquile na visão:

As ondas dos dois mares se unem, para não serem mais que um oceano de luz sem fundo e sem margem.

A partir do momento em que você vir despontar em você a aurora dessa visão, você poderá se tornar sua própria testemunha e ler em páginas abertas o livro do seu ser. Mas essa visão é a da misericórdia. Ela transforma o que revela sem julgar. Seja uma testemunha cujo olho penetra mas não fere. E dirija o mesmo olhar de misericórdia para todos os seres do universo.

Quem tem a capacidade de desvendar os segredos dos homens e não se reveste da Misericórdia divina, seu desvendamento não seria para ele senão causa de provação e infelicidade. (Hikam)

As mil formas sobre as quais você age e que agem sobre você são criadas a cada instante pelo seu olho interior. Se você é belo, ó amigo, você verá a beleza delas e saberá se libertar da servidão de sua forma exterior. Eleve seu pensamento até esse espaço puro, livre de toda carga, de todo fardo. “Deixe o mestre dos fardos se preocupar com seus fardos!”

Você se volta para as criaturas enquanto não vê o Criador, Mas se você o vê, são as criaturas que se voltam para você. (Hikam)

É assim que se encontra o estado, você entende, daquele que se afogou na visão e que Deus encarregou da missão de guiar as outras criaturas a Ele. Os homens se voltam para ele e vêm beber em sua fonte, pois ele mesmo bebe na fonte suprema.

“O que você diz aí, ó sábio, me toca o coração. Era de tal palavra que eu precisava. Seu pensamento às vezes se eleva a tais alturas que me sinto pobre e abandonado. As asas do meu espírito foram quebradas pela astúcia dos dias. Preciso, ó sábio, de uma mão amiga e socorredora.”

Lembre-se que você não está sozinho no mundo. Você depende de mil criaturas que formam o tecido da sua vida. O espelho do seu coração se impregna de uma multidão de imagens. Sua alma é como uma pena levada ao sabor dos ventos. Mas ainda falta muito para que você se veja como você é.

Você, no entanto, tem toda razão em buscar como o bem mais precioso o amigo cuja alma poderá te nutrir. Uma vez que você tenha encontrado esse elixir, esse remédio raro que insufla a vida, recuse, como Moisés, o seio de todas as amas do mundo e saiba reconhecer o leite de sua própria mãe.

Ele será a alma pura que, como um espelho, te fará ver suas faltas e seus defeitos.

Um companheiro pior que você corre o risco de te dar a impressão de que você é bom, enquanto você talvez seja mau. (Hikam)

Ele saberá desarmar suas artimanhas e suscitar por trás de suas muralhas o desânimo e a perplexidade.

Não seja companheiro daquele cujo estado não te desperta e cuja palavra não te orienta para Deus. (Hikam)

História: Um discípulo procurou um sábio e lhe disse: “Mestre, ensina-me.” “Espirre!”, respondeu o mestre. “Não sei o que você quer dizer, disse o discípulo, mas o que sei é que não tenho vontade de espirrar agora.” “Esse é o meu estado”, retomou o mestre, “não me ocorre agora ensinar-lhe nada.”

Seu mestre, ó amigo, é seu companheiro de viagem. Ele saberá fazer de suas feridas interiores a seiva de vida que te faz viajar. Aquele que não conheceu a escuridão não saberia reconhecer a luz. Esse elixir tem o poder de transformar cada uma de suas sombras em uma qualidade de nobreza. Mas uma vez que você se engajou no caminho da cura, tome cuidado para não perder de dia as aquisições da noite. Não olhe para sua alma com complacência. Sua vida é sua viagem; cada dia, cada instante tem seu preço:

Como poderia se iluminar um coração cujo espelho está impregnado da imagem das criaturas? Como poderia viajar para Deus, acorrentado às suas paixões? Como poderia pretender entrar na Presença de Deus sem ter se purificado de suas negligências? Como pode ele esperar compreender as sutilezas dos segredos se não voltar de seus passos em falso! (Hikam)

Nesse caminho, ó amigo, há as armadilhas da sombra mas também as da luz. As tentações da fome e as da saciedade. Mas há um inimigo que, como uma serpente, tem a pele macia e o veneno mortal. Uma raiz obscura sobre a qual se desenvolvem todos os erros: a da satisfação de si mesmo. Aquele que bebe de tal taça se condena a definhar. Nenhuma planta de nobreza poderá germinar nessa terra. A Verdade, ó amigo, está sempre além de você mesmo. Aquele que se satisfaz consigo mesmo adora apenas a si mesmo. Ele não recebe, como deveria, ordem senão desse falso deus.

A raiz de todo desacordo, inconsciência e paixão é a satisfação de si mesmo. A raiz de todo acordo, despertar e pureza é a insatisfação consigo mesmo.

É melhor para você ter como companheiro um ignorante não satisfeito consigo mesmo do que um homem de saber satisfeito consigo mesmo. De que vale, aliás, a ciência de um sábio satisfeito consigo mesmo, E pode-se falar de ignorância a respeito daquele que não está satisfeito consigo mesmo? (Hikam)

Se é a Verdade que você busca, ó amigo, é em sua fonte que as montarias do seu desejo devem beber. De todo o seu ser suscite um de seus olhares que outorgam a vida.

Ó alma pacificada, retorna ao teu Senhor, satisfeita e agradada, entra pois entre Meus servos, entra em Meu paraíso. (Cor. LXXXIX/29)

Aquele que atingiu tal proximidade na realidade se apagou e é a Verdade que se expressa através dele. Purifique, ó amigo, o rosto da sua alma para que você possa reconhecer nele o seu rosto de luz:

Ó amigo, seu sopro está tão perto que creio que em minha alma é você quem respira, Mas quando quero me voltar para você Minha sombra me precede, uma voz suave se introduz e sussurra: Tudo o que você vir neste espelho de luz Não é outra coisa senão você mesmo. Apague todas as suas marcas se quiser se tornar o espelho do Amigo.

Todos os olhares em um só Todo o meu ser em um suspiro Fiz da noite escura meu sudário E da aurora que desponta um sorriso.

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