Izutsu (TIST:360-361) – Essencialismo, forma vulgarizada da Razão
‘Essencialismo’ pareceria ser uma posição filosófica mais adequada à mente humana. De qualquer forma, a Razão e o senso comum, que não passam de uma forma vulgarizada da Razão, tendem naturalmente a adotar uma posição ‘essencialista’. E esta última é aquela da qual depende o nosso pensamento comum. A essência da visão ‘essencialista’ pode ser concisamente apresentada como uma tese de que todas as coisas são dotadas de ‘essências’ ou ‘quiddidades’, sendo cada coisa claramente delimitada de todas as outras por sua ‘essência’. Uma mesa é uma mesa, por exemplo, e nunca pode ser uma cadeira. O livro que está sobre a mesa é ‘essencialmente’ um livro, e é ‘essencialmente’ diferente da, ou outra que a, mesa. Existem ‘dez mil’, isto é, inumeráveis, coisas no mundo. Mas não há confusão entre elas, pois são separadas umas das outras por linhas de demarcação ou ‘fronteiras’ bem definidas, que são fornecidas por suas ‘essências’. Como já disse antes, esta ontologia ‘essencialista’ em si não é algo a ser rejeitado. Ela oferece uma imagem verdadeira das coisas, se for colocada no lugar certo, ou seja, desde que se entenda que é a imagem das coisas em um certo nível ontológico. Chuang-tzu não faz objeção a isso. O ponto que ele quer enfatizar é que o ‘essencialismo’ não deve ser considerado a única e última visão das coisas. E ele se rebela contra isso no momento em que alguém começa a fazer tal afirmação. Pois ele está convencido de que não é a visão última das coisas. Do ponto de vista de um homem que viu as coisas sob uma luz diferente em sua visão extática, existe ontologicamente um estágio em que as ‘essências’ são aniquiladas. Isso simplesmente significaria, para um Chuang-tzu, que ‘desde o princípio’ — como ele diz — não existem tais coisas como ‘essências’ no sentido de núcleos ontológicos duros e sólidos das coisas. Em qualquer caso, as assim chamadas ‘essências’ perdem, nesta visão, sua solidez, e se liquefazem. ‘Sonho’ e ‘realidade’ se confundem no vasto e ilimitado mundo da ‘indiferenciação’. Não há mais aqui qualquer distinção acentuada a ser traçada entre uma mesa e uma cadeira, entre uma mesa e um livro. Tudo é si mesmo, e, ao mesmo tempo, todas as outras coisas. Não havendo ‘essências’, todas as coisas se interpenetram e se transformam umas nas outras infinitamente. Todas as coisas são ‘uma’ — de uma maneira dinâmica. Poderíamos comparar adequadamente esta visão com o conceito de Ibn Arabi da Unidade da Existência, wahdah al-wujud. E já sabemos que é isso que Chuang-tzu chama de Caos. Ibn Arabi podia falar da Unidade da Existência porque ele via o mundo da Multiplicidade, os existentes ilimitados, como tantas autodeterminações ou automanifestações do Absoluto, que é em si a Unidade absoluta. De maneira semelhante, Chuang-tzu chegou à ideia da ‘caotificação’ das coisas porque as via do ponto de vista do Caminho, que também é a Unidade metafísica absoluta.
