Advaita (Le Saux)
Saux1991
O advaita não é um desafio à fé cristã, exceto talvez em algumas de suas formulações. É antes o lembrete exigente de que Deus — e portanto nada do que Ele fez — pode jamais entrar totalmente em nossos conceitos. (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 183.)
Se o advaita assusta tanto, é porque não deixa subsistir nada desse ego superficial hílico, ou pelo menos meramente psíquico, que pertence ao nível do conceito. (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 184.)
O advaita não se opõe a nada, sob pena de deixar de ser ele mesmo. De modo análogo, quando o cristianismo busca se opor a qualquer tradição religiosa, como se fosse ele mesmo uma “outra” religião, esvazia-se da transcendência que lhe é própria, pois a transcendência não admite alteridade nem comparação. (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 186.)
Não se trata de sonhar com uma síntese impossível entre o advaita e o cristianismo, nem mesmo, em rigor de termos, de um suposto “superamento cristão” do advaita. Essa fórmula sem dúvida está menos distante da verdade; porém, permanece muito imperfeita, pois assim que o advaita recebe qualquer qualificação, deixa de ser advaita . (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 188.)
Em vez de falar de síntese e superamento, seria muito mais correto, parece-me, falar da dimensão advaítica da revelação e do cristianismo. (O Encontro do Hinduísmo e o Cristianismo, p. 189.)
Assim como a fé, o advaita não é uma ideia ou descoberta intelectual. É algo que toca a alma em seu centro mais íntimo e, de lá, comanda tudo nela. É uma atitude fundamental da alma que nasce no próprio lugar de sua “fonte”. É uma doação plena de si. Um abandono total ao mistério que se revelou em si. (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 192.)
Os encontros humanos deixam subsistir a dualidade. No máximo, diz-se que há fusão e que os dois se tornam um no amor e no desejo. Aqui, não há nem mesmo fusão, pois estamos no plano da não-dualidade originária. O advaita permanece para sempre incompreensível para quem não o viveu existencialmente . (Gnanananda, p. 42.)
todos esses mercadores de advaita que percorrem ruas e praças públicas, inundam as livrarias com suas publicações? Protestam o quanto podem contra os propagadores das religiões do Ocidente e são mais estreitos ainda que os mais limitados destes. Eles possuem a verdade, e quem não admite seu ponto de vista vedantino e supostamente abrangente não passa, aos seus olhos, de um imbecil ou fanático. (Memórias de Arunachala, p. 112.)
O advaita, a não-dualidade, constituindo o essencial do ensinamento das Upanishads, nenhuma oração permanece possível no coração de quem realizou a verdade das Upanishads. O equivalente do que no Ocidente se chama “experiência de Deus” não tem, no contexto upanishádico, nada a ver com qualquer noção de Deus; pois a dualidade, que sozinha permite ao homem se colocar diante de Deus, desapareceu no encontro devorador com o Real: o SAT. (Iniciação à Espiritualidade das Upanishads, p. 69.)
Nessa experiência última, o homem superou todas as antinomias, todos os dvandvas, inclusive o dvandva fundamental morte/vida, ser/não-ser, conhecimento/não-conhecimento. Enquanto o homem busca explicar a outro esse estado com conceitos tirados da percepção sensorial e mental, ele o nega, pois assim que se compara a qualquer outra coisa, deixa de ser ele mesmo. Só pode ser definido por negações, que devem, aliás, destruir-se indefinidamente, sob pena de se tornarem pura abstração. Várias vezes, a Upanishad define essa experiência como um “relâmpago” que de repente ilumina o espaço do coração. (Iniciação à Espiritualidade das Upanishads, p. 142.)
Descer ao mais profundo de mim, no Si divino, fundamento do meu eu, e abraçar todos os seres na não-dualidade (advaita) do Real, do Ser . (Interioridade e Revelação, p. 45.)
É preciso primeiro, e necessariamente, passar pelo estágio da Unidade do advaita, da não-distinção, negar drasticamente, ou ao menos esquecer tudo o que se acreditava “saber” antes do Deus Uno e Trino, do Deus que se chamava “Amor”. Pois nossa vida no seio dos Três, e no seio do Amor Infinito, Criador e Redentor, não seria para muitos uma bela imaginação, uma magnífica construção mental, onde nos projetávamos a nós mesmos, nos encantando com nós mesmos, apoiando-nos, como num divã agradável, na Revelação, compreendida e interpretada por nossa pobre razão? (Interioridade e Revelação, p. 68.)
Buscamos constantemente formular a não-dualidade, o advaita, mas a não-dualidade é absolutamente informulável, pois ninguém permanece para formulá-la. (Interioridade e Revelação, p. 232.)
Ousar finalmente dar o salto no puro advaita, sussurra-me constantemente a voz, sempre cantante no fundo do meu coração, que o outro dia usou para transmiti-lo também por fora. No fundo, estou cada vez mais longe do hinduísmo saguna. Brinco por enquanto com o advaita. É como no momento de entrar no mar: hesita-se, molha-se os pés e adia-se indefinidamente o mergulho que sozinho trará paz. Procuro compreender, como cristão e ocidental, meu advaita, e uma vez no extremo oposto de minhas retortas, deduções… Como “meu” advaita é complexo e an-advaita ! (23.3.53; A Subida ao Fundo do Coração, p. 91.)
Não estou mais ou menos apegado humanamente ao advaita, à minha experiência de advaita? Apego porque é exótico, ousado, raro etc. Com um temor humano de que esse advaita acabe cedendo a uma verdade mais alta que não seria senão o que sempre acreditei até agora… Mas como eliminar o humano “de nossas razões”, de nossas adesões?
Quanta parte do humano não há também no meu apego ao cristianismo? E não se poderia dizer que é um apego humano que me impede de dar o passo definitivo libertador? (1953; A Subida ao Fundo do Coração, p. 100-101.)
Ser advaitin é abandonar os intermediários e passar diretamente ao limite supremo, ou ao supremo transcendente de todo limite. É um ir além do Cristo, ao menos em sua condição de manifestante e manifestado, para chegar ao mistério eterno e transcendente de todo pensamento que por ele e nele se manifesta. (29.7.55; A Subida ao Fundo do Coração, p. 143.)
Toda alegria experimentada no advaita faz o advaita se esvair em sua pura realidade. (26.8.55; A Subida ao Fundo do Coração, p. 151.)
O advaita é quando o homem mergulhou na guhâ, afundou nela, no seio do Pai. (1.12.56; A Subida ao Fundo do Coração, p. 233.)
Deve-se buscar descobrir num advaita cristão um além do advaita vedântico? Assim que há qualificação, o advaita se esvai. Os dvandvas reaparecem, e caímos do Real.
Antes, não se deveria dizer que há a experiência do Filho e a do Espírito? A do Eu-Tu, e a do não-dual? Não é isso o fundo do mistério da Trindade? Do Abba, do aham, ou do OM? (5.2.64; A Subida ao Fundo do Coração, p. 324.)
O advaita, no cristianismo, é isto:
— não ter mais como espírito senão o Espírito do Senhor, que me move a seu bel-prazer; não ter mais como rosto (personalidade) senão a pessoa de Cristo,
— não ter como ser senão a profundidade de amor do Pai, e me redescobrir nesse dom gratuito do amor. (30.3.64; A Subida ao Fundo do Coração, p. 326.)
O advaita não é a ideia de que só há Um. É o superar o sentido do diverso, seja qual for a ideia que se faça dele. É não mais deter em si o fluxo da evolução escatológica, é ser tudo na corrente. É não ser mais que um Ad aos seus irmãos humanos .
O advaita não é uma descoberta intelectual — mas uma atitude fundamental da alma. Muito mais que a impossibilidade de dizer dois do que a afirmação de Um.
