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Homem verdadeiro (Lin-tsi)

Hermes-Tchan A hesitação merece regularmente o bastão, pois implica dúvida, cogitação, incerteza: tantos complexos nocivos. O ato deve brotar imediatamente das profundezas subconscientes do homem verdadeiro que está em cada um de nós, esse ser que é o próprio absoluto, e ao qual devemos confiança, fé total. Como tantos elementos do Ch'an, esse termo “homem verdadeiro” vem do taoísmo. Eis uma definição desse homem verdadeiro, que é propriamente indefinível, pois é indeterminado como o absoluto. Ele não tem situação, diz o texto chinês (a palavra que traduzo por “situação” designa em chinês o posto de um funcionário na hierarquia oficial) ]; não tendo situação, ele é indefinido e portanto indefinível; qualquer definição será então imprópria (no sentido próprio), suja, imunda (A. 26; Y. 19):

O mestre subiu ao púlpito e disse: “Em vosso conglomerado de carne vermelha (o coração, ou o corpo), há um homem verdadeiro sem situação, que constantemente entra e sai pelas portas de vosso rosto (ele está no centro de vossas percepções, de vossa vida empírica). Vamos ver, aqueles que ainda não testemunharam, o que pensais?” Um monge saiu da assembleia e perguntou o que era o homem verdadeiro sem situação. O mestre desceu do púlpito e, agarrando o monge, imobilizou-o e disse: “Dize tu mesmo! Fala!” O monge hesitou. O mestre soltou-o e disse: “O homem verdadeiro, não passa de um palito para limpar o traseiro.” E retirou-se para sua cela. (Na Índia, onde não havia papel, limpava-se com um palito de madeira, e os monges budistas da China haviam adotado esse costume).

Eis outra passagem sobre a impossibilidade de definir o homem verdadeiro (A. 90-92; Y. 162):

Como chamar essa coisa que está em nós, bem distinta e clara, à qual nunca faltou nada, mas que o olho não vê, que o ouvido não escuta? Um antigo disse: Dizer que isso é uma coisa, seria errar o alvo. Olhai, adeptos, dentro de vós mesmos! O que há mais?

Outra passagem sobre o homem verdadeiro, em que se denuncia a vaidade das práticas de recolhimento introvertido (A. 72-74; Y. 123-126):

Quando digo que não há verdade fora de vós mesmos, me entendeis mal e concluís que é preciso buscá-la dentro de vós. E vos sentais agachados, encostados a uma parede, imóveis, a língua colada ao palato; mergulhais na quietude; e é isso que tomais pelo método de nossos Patriarcas e pela lei do Buda. Que grande erro! Imaginar que a verdade está na pureza (purificação, purgação) imóvel (passiva), é tomar a ignorância por mestra. Mas a mobilidade (movimento, ação) também não é a verdade. Pois as plantas se movem quando sopra o vento; isso significa que possuem a verdade?… Nem a mobilidade nem a imobilidade têm ser em si mesmas (Elas são apenas dois aspectos relativos e complementares do ser em si.) Acreditais capturar o homem verdadeiro na mobilidade? ele está imóvel; na imobilidade? eis que se move: insondável como o peixe mergulhado na fonte que salta batendo as ondas. O homem verdadeiro não depende de nada. É livre; da mobilidade, da imobilidade, usa a seu bel-prazer… Não tem raízes, nem tronco. Vive como o peixe na água, que não se pode nem segurar juntando as mãos, nem soltar afastando-as. Quanto mais o buscardes, mais longe estará; não o busqueis, e está sob vossos olhos… Confiai em vós mesmos; não vos fatigueis em esforços.

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