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Meyrink – O Golem

GUSTAV MEYRINK — O GOLEM (MeyrinkG)

Apresentação de Isabel Hernández da versão em espanhol

Publicação do seu primeiro romance, O Golem (1915). Com ele, inicia-se o seu segundo grande período de produção literária, no qual diminui a sua atividade para a revista, o que, evidentemente, também implicou uma redução dos seus rendimentos, que tentou compensar realizando algumas traduções de obras de Dickens entre 1909 e 1914. Como fato anecdótico e muito representativo da personalidade de Meyrink, vale mencionar sua afirmação de ter feito essas traduções usando o “dictáfono”, um aparelho inventado por Edison em 1907: seus conhecimentos de inglês permitiam-lhe ler o texto original em inglês e traduzi-lo em voz alta para o alemão, gravando-o simultaneamente nesse aparelho. O editor, Kurt Wolff, acostumado às exageros do escritor, nunca acreditou que Meyrink fizesse as traduções dessa forma, assim como não acreditava na existência de tal aparelho. De qualquer forma, afirmações como essas permitem encontrar um Meyrink que, apesar de sua inclinação pelo ocultismo, nunca perdeu o senso prático nem a consciência crítica, pois, quando as histórias de Dickens lhe pareciam muito pesadas, ele retocava o texto ou eliminava as passagens sem mais. Que o trabalho intensivo na obra do inglês não passou sem deixar marcas é algo que também se pode perceber na leitura de O Golem.

O Golem foi, sem dúvida, um dos maiores sucessos do gênero e contribuiu enormemente para o seu auge. Até que ponto é possível reconhecer nele o espírito do fim do século e as características paradigmáticas da literatura fantástica é algo que o leitor deve descobrir por si mesmo, pois, como bom autor de narrativa fantástica, Meyrink sempre procurou não sair da sua característica ambiguidade. O sucesso do romance foi tal que autores como H. P. Lovecraft e muitos outros mestres contemporâneos do gênero o leram com grande interesse. Lovecraft chegou a mencionar Meyrink em várias passagens de seu ensaio Supernatural Horror in Literature (1945) em relação à literatura fantástica influenciada pela Cabala, da qual O Golem era para ele, sem dúvida, o melhor exemplo. Até mesmo Max Brod, grande amigo e editor da obra de Franz Kafka, soube ver nos contos de Meyrink o “non plus ultra da literatura moderna”, e sempre destacou sua construção engenhosa do mundo fantástico, bem como seu uso soberano da linguagem, afirmação compartilhada por mais de um crítico da época e que o leitor atual pode comprovar em toda a sua vitalidade.

A descrição que Meyrink faz de Praga em seu romance O Golem é uma das mais bem-sucedidas que se conhecem. Durante um passeio, semelhante ao descrito na própria obra, o próprio autor experimenta a atmosfera fantasmagórica da cidade que transformaria sua vida e definiria sua obra literária, e constata que, assim como um ser vivo, ela parece até dominar seus habitantes. Essa descrição, recolhida num breve texto sobre Praga, estende-se por toda a sua produção literária:

Já naquela época, enquanto passeava pela velha ponte de pedra que, passando sobre as águas calmas do Moldava, conduz ao Hradschin, com seu castelo que exala a sombria arrogância das antigas linhagens dos Habsburgos, fui tomado por um profundo terror para o qual não consegui encontrar qualquer explicação. Desde aquele dia, esse medo nunca mais me abandonou durante todo o tempo (uma boa parte da minha vida) que vivi em Praga, a cidade com o coração que bate em segredo. Nunca se afastou de mim; ainda hoje continua ressurgindo cada vez que penso em Praga ou sonho com ela à noite. Praga molda e comove seus habitantes como se fossem marionetes, desde o primeiro até o último suspiro. o batimento secreto da cidade vai lavando todos os nomes, criando lenda após lenda. Durante horas passeava à luz da lua pela Cidade Pequena, o bairro que fica do outro lado do Moldava, o coração de Praga, e sempre me perdia15.

A descrição de Meyrink expressa claramente esse caráter da cidade que parece viver em cada uma de suas pedras e de seu povo e que, para ele, personifica uma transição entre o real e o sobrenatural, honrando assim também seu próprio nome: “Praha”, “limiar”. É precisamente isso que a cidade representa em seu romance: um limiar entre a realidade e o além, ou o que é o mesmo, e esta afirmação vale especialmente para o gueto judeu, uma ponte diabólica, um cenário fantasmagórico, de pesadelo. Praga e o gueto servem, portanto, a Meyrink para explicar o estado de seus personagens e por que agem da maneira que agem: o gueto, com seus edifícios e ruas peculiares, simboliza o terreno, a escuridão que é necessário superar para alcançar um conhecimento mais profundo e penetrar em uma esfera mais ampla da consciência, em um âmbito de certa forma sobrenatural. Ou seja, a Praga sinuosa e incompreensível, na qual o indivíduo se perde facilmente, sempre guiado por forças desconhecidas, representa e personifica, na realidade, a busca de um eu, que neste romance é representado com perfeição na figura de seu protagonista, Athanasius Pernath.

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