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Milloué (1905) – Cosmogonia Hindu

Milloué1905 O caráter particular do Hinduísmo e do Vedanta, que na verdade é sua base, sendo a concepção de um Deus supremo, essência e autor de tudo o que existe, não encontramos mais nesses sistemas senão um único mito da criação, considerado como a obra pessoal de um Deus emanação da Alma universal, muito próximo, no fundo e na forma, daquele exposto por Manu, e cujos relatos diversos apresentam apenas variantes pouco importantes em detalhes, tais como aquelas que distinguem a lenda dos Vaishnavas daquela dos Shaivas — desde que se lembre que Vishnu e Shiva personificam a Alma universal, cada um para seus respectivos adoradores. Segundo a versão vaishnava, Vishnu, mergulhado em um sono profundo, repousava deitado sobre as espirais da serpente Shesha, suavemente balançado sobre as ondas do oceano caótico, quando nada existia no universo além de uma matéria confusa. Ao despertar, foi tomado pelo desejo de criar e, de seu umbigo, fez surgir um lótus do qual saiu Brahma, o demiurgo. Este, separando os elementos confundidos, criou o céu e a terra, que repousam sobre as águas do oceano primordial. Depois, cansado de sua solidão — sendo andrógino —, dividiu seu corpo em duas partes, uma masculina e outra feminina, à qual deu o nome de Sarasvati ou Shatarupa, e, acasalando-se com ela, gerou sucessivamente os Devas, os demônios Asuras, os homens e os animais de todas as espécies. Segundo outra tradição, Brahma não gerou pessoalmente a raça humana, mas encarregou dessa obra seus dez filhos, os Prajapatis. Mas, de uma forma ou de outra, os homens e os seres são idênticos em natureza aos Deuses e, de certa maneira, filhos de Vishnu, já que nasceram direta ou indiretamente de sua emanação, Brahma. Seguindo mais de perto a tradição de Manu, a lenda shaiva nos oferece uma versão ligeiramente diferente. Shiva, substituído como Alma universal ao Brahma primitivo, desejando criar, produz primeiro as águas e depois deposita em seu seio um ovo de ouro (Hiranyagarbha) contendo Brahma em estado de germe. Ao cabo de um ano, Brahma quebra a casca do ovo, sai dele, faz do céu a parte superior dessa casca e, da parte inferior, a terra. Em seguida, divide seu corpo em duas partes: da parte masculina faz Viraj, e da feminina, Shatarupa, que serão os progenitores dos Deuses, demônios, homens e animais, de maneira quase idêntica à relatada pelos relatos vaishnavas. Como se vê, a diferença é sutil entre os relatos vaishnavas e shaivas, e ainda assim, dessa distinção — negligenciável à primeira vista — decorre uma consequência considerável que separará para sempre a concepção filosófica dessas duas seitas sobre a questão da unidade (advaita) ou dualidade (dvaita) da natureza do homem (ou pelo menos de sua alma) e da do Deus supremo, a Alma universal. De fato, sendo filhos de Vishnu (ou, o que equivale ao mesmo, de uma emanação desse Deus), os homens e os seres são idênticos em natureza aos Deuses e à Alma universal. Enquanto isso, nascidos de uma criatura de Shiva, os Deuses, homens e seres são de uma natureza distinta da da Alma universal. A importante consequência dessa distinção é que, para os Vaishnavas, a salvação final (Moksha) consistirá na absorção na Alma universal, enquanto que, para os Shaivas, será simplesmente a união com essa alma, ou seja, com Shiva. O sistema cosmogônico do Hinduísmo também é idêntico ao da fase religiosa anterior. Encontramos nele a menção dos três mundos — céu, atmosfera e terra — que constituem o conjunto do universo, e, da mesma forma, a divisão do mundo terrestre em sete continentes dispostos concentricamente ao redor do monte Meru, centro do universo, suporte do céu e residência dos Deuses inferiores. Talvez a única variante seja a do Bhagavata Purana, que atribui a divisão da terra em sete continentes à tentativa insensata do rei Priyavrata, que havia se proposto a substituir o sol durante a noite, para que o mundo fosse constantemente liberto das trevas: os mares que separam os sete continentes são os sulcos cavados pelas rodas do carro de Priyavrata. A mesma identidade existe para a composição e duração das épocas de existência e dissolução do mundo, bem como para a divisão do tempo em KalpasYugasManvantaras, anos divinos e humanos, estações, meses, dias e horas. Os indianos empregam cinco tipos de anos terrestres:

  • Ano lunar — 354 dias
  • Ano solar — 365 dias
  • Ano Savana — 360 dias
  • Ano Sideral — 324 dias
  • Ano de Júpiter — 361 dias

Os anos Savana, Sideral e de Júpiter são usados apenas por astrônomos e astrólogos. O ano solar, de adoção relativamente recente, ainda é pouco utilizado, sendo o ano lunar o que, até hoje, serve exclusivamente aos usos religiosos públicos e privados. Ele se compõe de doze meses de trinta dias, cada um dividido em duas quinzenas:

  • Quinzena clara (ou brilhante) — da lua nova à lua cheia
  • Quinzena escura (ou obscura) — da lua cheia à lua nova

Para ajustá-lo ao ano solar, adiciona-se a cada três anos um mês intercalar de trinta dias. Assim, a cada três anos, há um ano de treze meses. Os dias do ano solar correspondem a um grau e se dividem em sessenta ghatikas (horas de 24 minutos nossos). A ghatika, por sua vez, subdivide-se em sessenta palas ou kalas, e o pala em sessenta vipalas. Para cálculos religiosos e astrológicos, usa-se como unidade uma medida de tempo chamada muhurta, que corresponde a duas ghatikas (48 minutos). As vinte e nove divisões e meia do mês lunar não são, propriamente, dias: chamam-se tithis. Uma tithi é o tempo em que a Lua, afastando-se do Sol, percorre doze graus de sua órbita. Esses “dias” são, portanto, variáveis — a velocidade do movimento aparente da Lua aumentando ou diminuindo conforme ela se aproxima ou se afasta da Terra em sua órbita elíptica — e podem durar no máximo 65 ghatikas (26 horas) ou no mínimo 52 ghatikas (21 horas). Algumas tithis abrangem dois nasceres do Sol, enquanto outras não têm nenhum. Estas últimas são consideradas particularmente nefastas e impróprias para a celebração de cerimônias religiosas, mesmo os Shraddhas (sacrifícios fúnebres que devem ocorrer em datas fixas, mas que, nesse caso, são adiantados ou adiados em um dia) — exceto, no entanto, os sacrifícios diários obrigatórios.

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