Corbin (CETC) – As irmãs Daena e Ashi Vanuhi
O próprio nome Daena coabita vários aspectos que não devem ser fragmentados nem opostos, mas reunidos na unidade de sua “pessoa”. Etimologicamente (avéstico dây, sânscrito dhi), ela é a alma visionária ou o órgão visionário da alma, a luz que ela projeta e que faz ver, simultaneamente também a luz que é vista, a Figura celestial que vem ao encontro da alma no alvorecer de sua eternidade. Daena é a visão vivida do mundo celestial, ou seja, a religião e a fé professada, e por isso mesmo ela é a individualidade essencial, o Eu transcendente “celestial”. Pela conjunção desses dois aspectos ou noções em sua pessoa, ela anuncia que inevitavelmente a realização corresponde à fé. Nesse sentido, porque ela é o arquétipo, o Anjo tutelar que guia e inspira a vida do fiel, ela é também seu juiz, aquela que lhe revela em que medida sua existência terrestre satisfez a lei mais pessoal de seu ser, enunciada com seu próprio ser. À interrogação da alma maravilhada, perguntando “quem és tu?” à jovem que avança na entrada da Ponte Chinvat e cuja beleza resplandece mais que qualquer outra beleza jamais vista no mundo terrestre, ela responde: “Eu sou tua própria Daena”, — o que significa: eu sou em pessoa a fé que professaste e aquela que te inspirou, aquela por quem respondeste e aquela que te guiava, aquela que te confortava e aquela que agora te julga, pois eu sou em pessoa a Imagem proposta a ti mesmo desde o nascimento de teu ser e a Imagem finalmente desejada por ti mesmo (“eu era bela, tu me fizeste ainda mais bela”). É por isso que Daena é igualmente Xvarnah, Glória e Destino pessoais, e como tal ela é “teu Aidov, tua Eternidade”. Não está no poder de um ser humano destruir sua Ideia celestial; mas está em seu poder traí-la, separar-se dela, não ter mais diante de si na entrada da Ponte Chinvat senão a caricatura abominável e demoníaca de seu eu entregue a si mesmo sem um correspondente celestial.
E Daena-Sophia tem “irmãs”, que são como suas prefigurações, mediadoras e anunciadoras, na perspectiva em que se ordena a sequência ideal dos eventos visionários. Há o Anjo Chisti, aquela celebrada no Yasht xvi dedicado precisamente a Daena. Seu nome também carrega a ideia de Luz ativa que ilumina e revela uma Forma de luz. É ela que confere a cada ser a faculdade da visão, principalmente ao liturgo a quem ela faz ver e penetrar o sentido das palavras e gestos do Ritual. Assim, o Yasht (estrofe 2) recorda: “A ela sacrificou Zaratustra dizendo: Levanta-te de teu trono, vem da Morada-dos-Hinos, ó muito reta Chisti, criada por Mazda e santa.” Na liturgia consagrada a Daena, é Chisti que se faz presente à visão mental, como mediadora de sua “irmã” e como aquela que realiza essa liturgia. Ela carrega as oblações, ela é em pessoa a sacerdotisa. Sendo aquela que confere a visão, ela é portanto a própria visão que define os traços de sua iconografia: alta e esbelta, vestida de branco e branca ela mesma. Ela dá seu sentido propriamente sacral-litúrgico à tríade zoroastriana “pensamento, palavra, ação”, e é por isso que Daena, que no ser humano tem seu centro, seu “assento” na ação santa ativada pelo pensamento meditante (Spenta Armaiti), é visualizada na pessoa de sua “irmã”, sua imagem parédrica, cujos traços correspondem ao que é experimentado e vivido durante a ação litúrgica. Essa ação coloca o homem em Erân-Vêj, in medw mundi, onde comunicam os Celestes e os Terrestres. Como Anjo da liturgia, Chisti é assim a mediadora de sua irmã Daena, ou seja, aquela por quem a ação litúrgica se torna uma visão e uma antecipação do encontro escatológico.
É a uma antecipação semelhante que a alma é ainda convidada por essa outra “irmã” de Daena que é o Anjo Ashi Vanuhi, e que na tríade das potências acima descritas vinha, ela também, como mediadora entre Spenta Armaiti, de quem é a “filha”, e Daena, de quem é a “irmã”. Seus traços carregam essa semelhança: ela é, ela também, “a filha de Ahura Mazda, a irmã dos Arcanjos”; ela assume a forma de uma bela e altiva jovem, de cintura alta, pura, nobre e invencível. Não apenas os traços de sua iconografia reproduzem os dos outros Anjos femininos (Daena, Ardvî Sûrâ), exemplificando assim a mesma figura arquetípica, mas ela assume com Ardvî Sûrâ o privilégio de uma presença extraordinária, pois a ambas (ambas detentoras e dispensadoras do Xvarnah), o próprio Ohrmazd, Senhor dos Amahraspands e de todos os Yazatas, ofereceu sacrifícios em Eran-Vej. É em Eran-Vej também, ou seja, sempre in medio mundi, que Zaratustra encontra o Anjo Ashi Vanuhi. O evento é destacado de forma impressionante pelo Yasht xvii. O Anjo-deusa conduzindo seu carro da Vitória é invocada como aquela que possui todo poder e detém ela mesma o Xvarnah. Essa Gloria Victrix iraniana é verdadeiramente a irmã das Nike da estatuária grega (essas “Vitórias” que foram, principalmente sob influências gnósticas, a origem das primeiras representações do Anjo na iconografia cristã primitiva). Então, erguida em seu carro triunfal, ela convida Zaratustra a se aproximar, a subir ao seu lado em seu próprio carro: “Tu és belo, ó Zaratustra, tu és bem formado… a teu corpo é dado o Xvarnah e a tua alma longa beatitude. Assim é como eu te anuncio.”
O Anjo Ashi Vanuhi detém e confere portanto o Xvarnah, a Luz-da-Glória, mas ao mesmo tempo ela é ela mesma também essa Vitória, esse Fogo vitorioso. Em sua pessoa se concentram as significações de Glória e Destino, a Aura Gloriae de um ser de luz. O mitraísmo a compreendeu assim como tyche (no sentido de Fortuna victrix, Gloria Fortuna). Encontrar Ashi Vanuhi em Erân-Vêj, ser convidado por ela a subir ao seu lado em seu carro da vitória, é o evento psíquico que ao mesmo tempo antecipa, prefigura e torna possível o encontro post mortem de Daena, sua “irmã”, Glória e Destino cumpridos. Ela é a Imago Victrix da alma, sua sacralização pelo Xvarnan, a revelação de seu arquétipo celestial. A visão em Erân-Vêj prefigura a aurora que surge na Ponte Chinvat, e é por isso que a tradição pahlavi reconhece Ashi Vanuhi, irmã de Daena-Sophia, como sendo ela mesma Espírito da Sabedoria que guia os seres de luz para a “existência perfeita”, ou seja, a existência “paradisíaca”. Por isso ela é chamada “o Anjo da Morada paradisíaca”, como “auxiliar” de Spenta Armaiti, que é “nossa Morada”.
Aqui, então, se conjugam o destino da alma, a Fravarti encarnada na existência terrestre, e o destino dessa Terra terrestre onde ela veio apenas para ajudar Ohrmazd e as Potências da luz a salvá-la das Potências demoníacas. Ashi Vanuhi é a irradiadora do Xvarnah, da Luz-da-Glória; mas a irradiação desta, sua persistência, ou seja, a radiância duradoura assim instaurada visionariamente, é agora esse outro Anjo feminino designado pelo nome de Arshtât. Ela é em sua pessoa a Imago Gloriae refletindo para a alma a Imagem de uma Terra transfigurada à imagem dessa alma que a transfigura. Para entender a dramaturgia mental dominada pela figura do Anjo Arshtât, lembremo-nos das implicações escatológicas da Imagem do Xvarnah. Ouvimos o Yasht xix celebrar as criaturas futuras do mundo da luz, que, como Saoshyants, configurarão a existência terrestre renovada em uma existência tendo a natureza do Fogo, quando todas as criaturas possuirão um corpo incorruptível de Fogo luminoso. Mas isso é um evento ao qual cooperam, desde agora, todas as criaturas de luz: é a própria razão, desde a origem, da escolha e do combate das Fravartis. Sua capacidade de operar ou antecipar essa metamorfose, as criaturas de luz a têm precisamente desse Fogo vitorioso cuja radiância investida nos seres é nomeada pelo nome pessoal do Anjo Arshtât.
A perspectiva dessa Transfiguração final (frashkart), a consciência de pertencer às criaturas de luz que a ela cooperam a cada momento do Aiôn, são percepções que, como a geografia visionária das paisagens evocadas anteriormente, põem em ação não uma simples física originada nas percepções sensíveis, mas uma física visionária, cuja energia transfiguradora tem precisamente como fonte e órgão a Imago Gloriae investindo a alma em sua totalidade. O que anuncia tal percepção do Fogo da Glória telúrica é a radiância de um Fogo espiritual levando a alma à incandescência, uma Luz de conhecimento salvífico (gnose) que introduz a alma à Terra da Luz, e com ela todos os seres que compõem seu mundo, o mundo do qual ela responde. É por isso que acontecerá que à figura do Anjo Arshtât se substitua a de Daena, luz de conhecimento e Imago Animae. E é por isso também que, no “julgamento” que é o confronto da alma com os arquétipos celestes pelos quais ela tinha que responder na terra, o Anjo Arshtât figura ao lado de Zamyât, Dea terrestris, procedendo com ela à “pesagem” da alma, como auxiliar do Arcanjo Amertât.
Pois esse confronto coloca para a alma esta questão: com que “peso” ela fez pesar seu próprio Xvarnah para a transfiguração dos seres? Em que medida ela foi ela mesma um Saoshyant, atendendo assim ao voto de sua própria oração: “Possamos nós ser daqueles que operarão a Transfiguração do mundo” (Yasna 30:9). Se Arshtât e Zamyât são os “juízes” da alma diante de Amenât (“Imortalidade”), elas o são como também o é Daena, sua irmã. O desfecho do combate só oferece escolha entre a transfiguração ou a desfiguração demoníaca. Para tornar a imagem da Terra translúcida à figura do Anjo, em uma visão angelomórfica semelhante à de Fechner, é preciso que a forma do Anjo tenha eclodido na própria alma. Ora, é nisso que consiste para a alma seu nascimento para Daena, para seu Eu “celestial”, e já indicamos como nessa escatologia individual se cumpre o sentido último da profissão de fé: “Tenho por mãe Spenta Armaiti, o Arcanjo da Terra.” Aí mesmo é pressentido como Zamyât, o Anjo da Glória telúrica, entrevisto na chama das auroras nos cumes das paisagens de Xvarnah, não é um simples “duplo” de Spenta Armaiti. Zamyât só é “visível” para a alma em quem e por quem se verifica que Spenta Armaiti é a “mãe” de Daena-Sophia. Nascimento para o Eu celestial e Transfiguração da Terra compõem o ciclo do que tentamos descrever aqui como uma “geo-sofia”.
