MurataVI

O Retorno a Deus está no cerne de todas as crenças e práticas islâmicas. É impossível compreender o significado do tawhid e da profecia sem referência a ele, assim como é impossível entender o significado do Retorno sem referência ao tawhid e à profecia. Os três princípios da fé amplificam o significado do credo básico, e este, por sua vez, expressa o sentido da palavra Deus como foi revelado através do Alcorão. Tawhid, profecia e Retorno são três faces de uma única mensagem. Não importa qual dos três seja investigado, os outros dois devem ser mantidos em vista.

De um ponto de vista, a discussão sobre a profecia é necessitada pela segunda Shahada: “Muhammad é o mensageiro de Deus”. Mas a própria segunda Shahada é exigida pelo tawhid, que demanda tanto tanzih quanto tashbih. No momento em que se entende que Deus tem duas mãos, e que a mão direita — ou misericordiosa — tem precedência sobre a mão esquerda — ou da ira —, pode-se ver que a misericórdia de Deus desempenha um papel fundamental em Sua relação com os seres humanos. Para atrair as pessoas à Sua misericórdia, Ele envia os profetas com boas novas e advertências.

Toda a realidade — que inclui tanto Deus quanto os mundos visíveis e invisíveis — está orientada para o bem-estar humano. Essa orientação pode ser chamada de orientação. A intenção fundamental do Real como Guia é trazer felicidade e plenitude humana. No entanto, ambas as mãos de Deus estão em ação. As pessoas não podem focar na mão direita e ignorar a esquerda. Se a mão direita traz as boas novas da felicidade eterna, também adverte que os seres humanos vivem sob a sombra da mão esquerda e devem reorganizar suas vidas para sair de debaixo dela.

Em resumo, este é o significado do tawhid e da profecia. Mas, do ponto de vista humano, a consideração mais importante aqui é que um desfecho feliz não é garantido. A liberdade humana desempenha um papel significativo. As pessoas são livres o suficiente para atrasar sua passagem para a experiência da misericórdia oniabrangente de Deus.

As discussões muçulmanas sobre o Retorno estão fundamentadas em um conceito específico da natureza e felicidade humanas. Compreender esse conceito exige que também entendamos a natureza da miséria humana. Já discutimos o Pacto de Alast, a fitra, a Confiança, a servidão e a vicegerência, e agora nos voltamos para as consequências da responsabilidade humana, ou de carregar a Confiança.

A discussão sobre o Retorno é comumente dividida em duas partes: o Retorno compulsório e o Retorno voluntário. A divisão reflete a distinção entre o islam universal e cósmico e o islam profético, ou entre a servidão compulsória e a voluntária.

Os seres humanos são compelidos a se submeter a Deus em respeito à sua natureza criada, mas, ao mesmo tempo, são livres para aceitar ou rejeitar as mensagens proféticas. Da mesma forma, os seres humanos não têm escolha senão retornar ao seu Criador. Todos morrem, e todos encontram Deus. No entanto, alguns vão felizes, com a certeza de que se submeteram às orientações trazidas pelos profetas e de que Deus não quebra Suas promessas; outros são arrastados pela nuca: “Toda alma provará a morte.” (3:185, 21:35, 29:57) “Ó ser humano! Tu te esforças laboriosamente em direção ao teu Senhor, e tu O encontrarás.” (84:6) “Deus prometeu àqueles que creem e praticam boas ações perdão e uma imensa recompensa.” (48:29) “Aqueles que creem e praticam boas ações — a esses faremos entrar em jardins abaixo dos quais correm rios, onde morarão eternamente — promessa de Deus, verdadeira. E quem é mais veraz em palavra do que Deus?” (4:122) “Certamente, a promessa de Deus é verdadeira, mas a maioria deles não sabe.” (10:55) “Certamente, a morte, da qual fugis, vos encontrará. Então, sereis levados de volta ao Conhecedor do invisível e do visível, e Ele vos informará do que fazíeis.” (62:8) “Se pudesses ver quando os injustos estiverem nas agonias da morte e os anjos estenderem suas mãos: 'Entregai vossas almas!'” (6:93) As pessoas são compelidas a retornar a Deus após a morte, mas também podem escolher retornar a Ele durante sua vida neste mundo. Ao se tornarem servas de Deus, seguem o caminho que leva à proximidade. Podem alcançar Deus antes de deixar o mundo (um objetivo enfatizado na terceira dimensão do Islã) ou, na morte, podem simplesmente descobrir que estão relativamente próximas do Real. Portanto, estarão mais integradas e completas do que aquelas que se afastaram e seguiram seus próprios interesses.

A palavra “retorno” deve nos alertar para o fato de que os autores que se concentram no assunto não se limitam a discutir para onde os seres humanos estão indo. Eles também discutem de onde vieram. Dizer que as pessoas estão “retornando” significa que elas já estiveram lá. Normalmente, essa discussão sobre a origem se enquadra no título “Origem” (mabda). Muitos livros foram escritos com o título “A Origem e o Retorno” ou incorporaram essas duas palavras em seus títulos.

Tanto a origem quanto o retorno derivam da terminologia corânica, embora o Alcorão também empregue outras palavras para expressar o mesmo ponto: “Assim como Ele vos originou, assim retornareis.” (7:29) “Ele vos criou pela primeira vez, e a Ele sereis retornados.” (41:21) “Assim como originamos a primeira criação, assim a faremos retornar.” (21:104) “A Ele será vosso retorno, todos juntos — promessa de Deus, verdadeira. Ele origina a criação, depois a faz retornar, para que possa recompensar com justiça aqueles que creem e praticam boas ações.” (10:4) “A Deus pertence tudo o que está nos céus e na terra, e todas as coisas retornam a Ele.” (3:109) Que “todas as coisas” ou “todos os assuntos” retornam a Deus é um refrão frequente no Alcorão. Às vezes, o Alcorão fornece alguns detalhes do itinerário humano, começando do princípio ou próximo dele: “Como podeis renegar a Deus quando éreis coisas mortas e Ele vos deu vida? Depois Ele vos fará morrer, depois vos dará vida. Então, a Ele sereis retornados.” (2:28) Este versículo lista os principais estágios normalmente discutidos nos livros sobre Origem e Retorno: inexistência, este mundo, morte, vida na sepultura e ressurreição. Após a ressurreição, as pessoas serão divididas em dois grupos: um entrará no Fogo e o outro, no Jardim.